Criminosos voltam a confrontar o Estado, após oito meses

Foram, pelo menos, 22 ataques, entre sexta-feira e a noite de ontem. A atuação do Estado nos presídios é uma possível motivação. O governador Camilo Santana reforçou que o combate ao crime no Ceará não recuará

Criminosos voltaram a confrontar o Estado, oito meses após a maior série de ataques da história do Ceará. Pelo menos 22 ocorrências, registradas entre a última sexta-feira (20) e ontem, na Capital, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e no interior, estão sob investigação. Até a tarde de ontem, sete suspeitos foram capturados e outros cinco identificados por envolvimento nas ações criminosas.

As secretarias da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e da Administração Penitenciária (SAP) já estão em alerta e começaram a traçar ações emergenciais. O policiamento ostensivo foi incrementado. Segundo a SSPDS, os policiais militares que estavam de férias irão retornar às atividades e os servidores que estavam em cursos tiveram as aulas canceladas para atuarem no policiamento.

Após a intensificação dos ataques ontem, o governador Camilo Santana se manifestou nas redes sociais e enfatizou que "trata-se de uma clara reação dos bandidos ao forte enfrentamento ao crime organizado que temos feito, dentro e fora das prisões cearenses, cortando comunicação, isolando e transferindo chefes criminosos, punindo de forma rigorosa atos de indisciplina e acabando com todo e qualquer tipo de regalia nos presídios". Camilo reforçou ainda que a "possibilidade do retorno às regalias nos presídios é zero".

O Ministério Público do Estado do Ceará também se manifestou e o procurador-geral de Justiça, Plácido Rios, determinou que integrantes do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) busquem identificar e prender os responsáveis e transferir líderes de organizações criminosas envolvidos nos ataques para presídios de segurança máxima.

Ocorrências

Como consequência dos ataques, no início da noite ontem, a frota de ônibus de Fortaleza e da Região Metropolitana foi reduzida. Segundo o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus), a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor) e a SSPDS, por medida de segurança, o transporte público operou com o acompanhamento da Polícia Militar. Hoje, a previsão da Etufor e do Sindiônibus é que a frota opere com 70% dos veículos.

Conforme apuração do Sistema Verdes Mares, entre sexta-feira e a noite ontem, foram 22 ataques, em seis municípios distintos. Em Fortaleza, as ações criminosas ocorreram em, pelo menos, 13 bairros diferentes. No caso que registrou vítima, uma topique parada no fim da linha do bairro Vila Velha foi incendiada à tarde. O motorista que estava no veículo no momento da ação criminosa, teve a parte inferior da calça queimada. A frota de topiques deixou de circular por volta das 19h, segundo a Cooperativa dos Transportes Autônomos de Passageiros do Estado do Ceará (Cootraps) e até a noite de ontem não se tinha informações que como funcionará hoje.

Motivações

A reportagem apurou, com fontes ligadas à Segurança Pública, que os ataques foram ordenados pela facção Guardiões do Estado (GDE). A principal suspeita é que as ações criminosas se tratam de uma nova retaliação ao enrijecimento do Sistema Penitenciário cearense - como aconteceu em janeiro deste ano, na maior série de ataques da história do Ceará.

O estopim, desta vez, seria a descoberta de um plano de resgate de criminosos recolhidos no Centro de Detenção Provisória (CDP), em Aquiraz, na semana passada. Outra possibilidade levantada pelas autoridades como motivação para a onda de ataques seriam mortes ocorridas, na semana passada, nos bairros Serviluz e Papicu.

Outra suspeita é que as ações criminosas foram desencadeadas em represália à prisão de um dos chefes da GDE, Suelito Borges de Sousa, realizada, nos últimos dias, por policiais da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), em Jaboatão dos Guararapes (Pernambuco). As investigações apontam que Suelito, conhecido como "Sb" ou "Rei da Colômbia" é conselheiro final da facção.

Denúncias

Criminosos espalharam um "salve" pelas redes sociais, a partir da última sexta (20). O informativo, com assinatura do "Crime Organizado do Estado do Ceará", pede para se "promover um ataque generalizado em todo o Estado".

O "salve" corrobora com a tese de que os ataques foram causados pela atuação do Estado nos presídios. Os criminosos afirmam que os agentes penitenciários maltratam os presos, "com atos de crueldade e com abuso de poder".

Paralelamente, cerca de 100 companheiras e familiares de detentos de diversos presídios da Região Metropolitana se reuniram no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza, na manhã de ontem, para protestar contra a suposta opressão sofrida pelos internos. "Pessoas que vão para a visita, quando chegam lá, não podem ver o marido, porque ele está com manchas roxas, dedos quebrados. Está tendo tortura. A gente não está querendo que entre celular. A gente só quer os direitos dos presos e das visitas", afirma a esposa de um detento.

Reação

Após os ataques, o secretário da Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, e o comandante-geral da Polícia Militar do Ceará (PMCE), coronel Alexandre Ávila de Vasconcelos, gravaram áudios, compartilhados nas redes sociais, em que orientaram os comandados a se prepararem para novos ataques.

"Mais uma vez o Estado está sob ataques, ao que tudo indica. Temos que novamente mostrar que o Estado não cederá nenhum milímetro. Fazer 'geral' em todas as dependências que tenham faccionados da GDE. É para fazer e endurecer todos os procedimentos dentro da cadeia. Vamos ficar atentos todos os agentes na rua", disse Albuquerque.

Em janeiro deste ano, mais de 200 ações criminosas foram registradas e pelo menos 400 suspeitos foram capturados. Naquele momento, GDE e o rival Comando Vermelho (CV) suspenderam a guerra que travam por território para o tráfico de drogas no Ceará.

Na época, a motivação seria a declaração do secretário da Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, de que iria juntar as facções nos presídios e iria endurecer o regime no cárcere. O Governo precisou pedir ajuda da Força Nacional e de policiais militares de outros estados para frear a onda criminosa.