Mais vítimas procuraram o Ministério Público do Ceará (MPCE) para denunciar crimes sexuais ocorridos dentro do grupo de capoeira Cordão de Ouro. A promotora de Justiça Joseana França, coordenadora do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (Nuavv), confirmou que pessoas que moram no Ceará, em outros estados do Brasil e até em outro país entraram em contato com o MPCE, nas últimas horas. Os casos de estupro foram revelados em reportagem da Agência Pública, na última terça-feira (1º), e confirmados pelo Diário do Nordeste.
Geralmente, quando há histórico de abuso, há aquele receio. Quando percebem que as pessoas estão começando a falar, aparecem mais vítimas. Nesses casos que há abusos sexuais, o silêncio beneficia o abusador. A gente está à disposição para ouvir quem está nessa situação.
A Associação de Capoeira Cordão de Ouro foi fundada em 1967, na Bahia, e se espalhou pelo Brasil e pelo mundo - tem sedes em 31 países, segundo o site oficial da Associação. As denúncias revelam a prática de crimes sexuais dentro do Grupo desde a década de 1970, passando de geração em geração, com o consentimento de mestres que não cometiam os crimes.
Um dos suspeitos de cometer crimes sexuais é o próprio fundador do Cordão de Ouro, Reinaldo Ramos Suassuna, o mestre 'Suassuna', que mora em São Paulo. No Ceará, as denúncias recaem principalmente contra Marcos Antônio Lopes de Souza, o 'Espirro Mirim', que liderava o grupo em território cearense. 'Suassuna' repudiou os crimes sexuais, em uma nota publicada pelo Grupo nas redes sociais, enquanto 'Espirro Mirim' não foi localizado pela reportagem para comentar as suspeitas.
Um homem já tinha relatado à reportagem, na última quarta-feira (2), ter sofrido um estupro de 'Espirro Mirim', quando tinha apenas 12 anos, em meados do ano de 1997. Outro homem também foi vítima do mesmo mestre, quando tinha 13 anos, aproximadamente no ano de 2007.
'Ele disse que estava só brincando', lembra vítima
A segunda vítima, que não quer se identificar, descreve que estava já no fim de um treino de capoeira, quando 'Espirro Mirim' chegou ao local e o grupo decidiu estender a prática, para aprender com o mestre. Entretanto, ficou tarde para o adolescente e um amigo voltarem para casa, e 'Espirro' ofereceu a residência do mesmo, no bairro Henrique Jorge, em Fortaleza, para os jovens dormirem.
Chegando lá, eu lembro que eu dormi numa rede. Quando eu acordei de madrugada, o mestre 'Espirro Mirim' estava com as mãos no meu órgão genital. Eu acordei bastante assustado, e ele disse para eu ter calma, porque ele estava só brincando.
"Depois disso, fiquei com medo dos meus pais, de eles não deixarem mais eu fazer capoeira. Fiquei dois meses sem treinar. Até que criei coragem e falei para o professor, comuniquei o que tinha ocorrido. Ele simplesmente olhou para mim e perguntou 'foi mesmo?'. Eu não falei nada, e ele respondeu: 'é assim mesmo, o mestre é assim mesmo'", completa.
As denúncias recebidas pelo Nuavv são repassadas para Núcleo de Investigação Criminal (Nuinc), também do Ministério Público do Ceará, que é o Núcleo responsável pela investigação criminal. A reportagem apurou que ainda não há denúncia formal contra os mestres da capoeira, que são alvos de um Processo Investigatório Criminal (PIC).
Grupo de capoeira repudia crimes sexuais
A Associação de Capoeira Cordão de Ouro emitiu nota, assinada pelo mestre Suassuna, em que repudia os crimes sexuais que teriam sido cometidos por integrantes do Grupo e se coloca à disposição das autoridas para prestar esclarecimentos. A nota foi publicada na rede social Facebook, na última segunda-feira (30).
De antemão, mesmo sem conhecimento do referido processo que estaria ocorrendo em segredo de justiça, o Grupo repudia de forma veemente toda e qualquer prática relacionada à pedofilia e, no caso de eventual notificação, se coloca à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento.
O Grupo garante ainda que suspendeu as atividades dos membros que foram citados nas denúncias. "O Grupo não se responsabiliza por quaisquer atos praticados por seus integrantes no âmbito pessoal e reitera que em caso de confirmação dos delitos, que a punição seja exemplar, independentemente de graduação ou hierarquia. Toda e qualquer denúncia deve ser devidamente investigada por autoridades competentes", conclui.
Confira a nota na íntegra: