De onde surgiu a ideia de criar uma superintendência estadual voltada para o combate à criminalidade?
Os órgãos de Segurança Pública têm seu papel investigativo ou ostensivo, mas faltava uma área de análise criminal com toda essa envergadura, de fazer pesquisa e estratégia. Ao longo dessa fase que estudei Segurança Pública, começamos a observar que em âmbito nacional, não tinha uma estrutura dessa. Fomentamos isso há quatro anos, fomos amadurecendo a ideia e chegamos a ser uma vinculada da Secretaria, que está no mesmo nível da Polícia Militar, da Polícia Civil. Tem autonomia financeira e administrativa, para poder pensar estrategicamente.
Em linhas gerais, o que é a função dessa nova vinculada da Secretaria de Segurança?
A ideia central é tudo que for feito em política de Segurança Pública ser filtrado pela ciência, por evidências. A Supesp passa a ser esse filtro. Tudo que for estratégico na Segurança Pública, toda percepção do que possa ser feito contra o crime organizado, contra lavagem de dinheiro, na área investigativa, passa por esse filtro da ciência. Infelizmente, o Brasil é cheio de pessoas que acham sem procurar. No momento que você filtra pela ciência, faz um projeto, avalia, vê pontos positivos e negativos, olha se a nível mundial tem algo parecido, aumenta a probabilidade de acerto. Para isso, a Supesp tem uma estrutura. Já temos cinco doutores em áreas diversas - economia, geografia, direito -, dois policiais com doutorado, e estatísticos. Todos foram escolhidos pelo caráter técnico, a maioria eu não conhecia. São em torno de 18 pessoas.
Tem algum modelo ou iniciativa no Brasil, ou em outro lugar do Mundo, que pretendem implantar aqui?
Segurança é tão complexo que, dificilmente, se pode copiar e colar experiências. Sempre digo que tem problemas em que parte da solução é arte, outra parte é ciência. Por exemplo, o 'Tolerância Zero', em Nova York, foi um modelo que deu certo, mas no local certo, que é o País com aquela cultura. Temos que buscar essas experiências, mas sempre fazendo a devida filtragem para o Ceará.
A Supesp vai ter acesso aos sistemas de informação dos outros órgãos de investigação?
Já temos. Isso é primordial. A Supesp será responsável pelo 'big data', com todas as informações da Segurança Pública, desde a coleta de dados primários, como CVLIs (homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte) até outros dados mais trabalhados. O setor de estatísticas (da SSPDS) se incorporou à Supesp e passou a ser chamado de Gerência de Estatística e Geoprocessamento. Estamos construindo um banco de dados e vamos disponibilizar ao público o máximo possível. Se tivermos mil indicadores, 900 vamos disponibilizar. Só não vamos disponibilizar o que for realmente estratégico, para não atrapalhar as investigações e colocar em risco comunidades. Se algum pesquisador quiser, por exemplo, saber quantas mulheres negras foram mortas, em agosto de 2017, ele vai ter acesso a gráficos, tabelas, tudo para extrair e trabalhar aqueles dados. Outra coisa que vamos fazer é uma revista científica da Supesp para que o público colabore com o Estado, com artigos pensando em soluções para diversos problemas da violência.
Há muitas críticas da sociedade à Inteligência da Polícia cearense. A criação da Supesp é para suprir essa ineficiência?
Inteligência é utilizada de maneira muito ampla. Temos a parte da Inteligência, que é utilizada para procurar criminosos, chefes de quadrilhas. Para isso, temos pessoas extremamente qualificadas. Estamos constantemente pensando soluções tecnológicas para nos auxiliar nisto. No momento, estamos pesquisando junto com empresas, que estão nos apresentando soluções modernas. Infelizmente, é o País. O Governo Federal nunca ajudou os Estados no âmbito da Segurança Pública.
Quais os entraves para a Inteligência, a prevenção de crimes funcionar com mais qualidade no Ceará?
Não é em nível de Ceará, é em nível de Brasil. O ministro Raul Jungmann está dizendo muito (o entrave: integração de dados. Um criminoso do Amapá, que é procurado lá, todo mundo conhece, mas ele vem para o Ceará. Vamos supor que tenha comprado uma casa em um condomínio de luxo e colocado em nome de um 'laranja'. Como vamos saber, se não há integração? Estamos trabalhando para integrar todos os sistemas de informação no Ceará. Estamos com um grupo de professores-doutores da área de Tecnologia da UFC (Universidade Federal do Ceará), fazendo um trabalho conosco. Se alguém comprou uma casa de um milhão (de reais) e está recebendo Bolsa Família, tem coisa errada. Vamos fazer todas as relações para atrapalhar as organizações criminosas.
As próprias autoridades falam do nível elevado de organização das facções. Como a Supesp vai vencer essa queda de braço?
Integração de dados e Inteligência. A Supesp, em nível de Estado, é mais um ente qualificado e focado para ajudar. Espero que essa 'big data' seja lançado em um prazo máximo de dois meses. Para quem trabalha com pesquisa e estratégia, isso é o ponto básico. Você não pode perder tempo procurando dados.
Criminosos com atuação nacional e internacional foram descobertos no Ceará, nos últimos anos. Em que a Segurança Pública falhou?
Não falhou, porque não é Deus. Era impossível, dadas as condições atuais. Vamos imaginar que ele tenha colocado um 'laranja' para comprar aquela casa. Ele (criminoso) simplesmente se escondeu na sociedade. Para ter uma ideia do absurdo dessa falta de integração nacional, você consegue tirar uma identidade em cada Estado. Estamos fazendo agora a biometria da digital, da face, e já temos um banco de dados de quase 4 milhões (de identidades). Isso vai nos auxiliar a capturar, por imagem ou digital, esse tipo de ocorrência.
O Ceará é uma das principais rotas do tráfico internacional de drogas no País. Como a Supesp pode frear essa rota?
Para problemas complexos, existem soluções complexas. Esse é o tipo da solução que passa pela intervenção federal, porque é fronteira. Mas em relação ao Estado, com as Inteligências, vamos trabalhar essa relação de inúmeros dados, com informações dos indivíduos e dos grupos criminosos.
O que também preocupa os cearenses é o número de homicídios. Como a Superintendência pode contribuir para atacar as causas dessas execuções?
O que aconteceu em 2017 realmente foi atípico. Em 2016, teve uma redução de 15% nos homicídios; no ano anterior (2015), a redução foi de quase 10%. Em 2014, já colhemos frutos, porque até 2013 vinha aumentando em taxas crescentes. Isso foi fruto do programa 'Em Defesa da Vida', que se iniciou em janeiro de 2014. Quando chegou em 2017, teve aquele 'boom' de crimes. Com aquilo, precisamos reavaliar. Tanto nossas estratégias como a gestão. Claro que as facções já existiam, mas teve umas que maturaram nesse período.
É possível mapear as ações, para que a Polícia se antecipe a problemas como o 'boom' de CVLIs, ocorrido em 2017?
No final de 2017, mapeamos 1.150 pontos, que chamamos de 'hotspot', em Fortaleza. E outros pontos na Região Metropolitana. Mapeados por tipificação criminal: roubos, homicídios, latrocínios, perturbação do sossego alheio, tráfico de drogas. Ou seja, quais os horários de pico, qual a gradação do crime. A partir disso, trabalhamos como faríamos na parte investigativa e acompanhamos cada passo. Para atuar em uma região, primeiro você tem que fazer uma análise equizante: Por que atuar ali? Qual o problema? Depois de caracterizar o problema, é tentar fazer o diagnóstico. A partir daí, colocar ações-soluções para esse problema. Se não, você coloca 100 homens em um território de 1km² e dá certo, mas 100 homens é um custo enorme, não temos como. Nenhum lugar do mundo tem como botar dois policiais em cada esquina.
Quais as metas da Supesp para colaborar com a Segurança Pública do Estado?
A meta da Supesp é a produção de estratégias, informações e pesquisas para a Segurança Pública, em um curto intervalo de tempo. E acompanhar todos os projetos.
Muitos policiais reclamam do baixo efetivo. Você acha que isso será um empecilho para a realização de estratégias de combate à violência?
Tudo tem que ser avaliado. A Supesp está fazendo uma avaliação sobre qual é o quantitativo ideal da Polícia Militar, da Polícia Civil. Temos que ver a relação custo-benefício, otimizar com tecnologia. Temos 1.150 pontos mapeados (na Capital). Esse mapeamento proporcionou que direcionássemos o policiamento para o lugar certo, na hora certa. Outra coisa: esse mapeamento nos deu que apenas 23% de Fortaleza abraça 83% da violência. Onde vou colocar policiamento ostensivo? Nesses 23%. Claro que não podemos abandonar os outros, mas não podem ter a mesma intensidade.