Milhares de roubos e furtos acontecem no Ceará, a cada ano. Números da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública do Ceará (Supesp), solicitados pelo Diário do Nordeste via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que o Estado teve mais de 333 mil Boletins de Ocorrência (BO) por roubo ou furto, entre janeiro de 2021 e junho de 2024. Uma média diária de 261 registros. As denúncias resultaram na abertura de mais de 23 mil inquéritos policiais, no período.
Conforme os dados, as vítimas de Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVPs) - roubos em geral, com a exceção dos latrocínios (roubos seguidos de morte) - registraram 150.102 BOs, no Ceará, nos três anos e meio (exatos 1276 dias). A média diária foi de 117 registros de roubos. No mesmo período, a Polícia Civil do Ceará (PCCE) instaurou 11.536 inquéritos policiais por roubo.
Já as vítimas de furtos registraram um total de 183.790 Boletins de Ocorrência no Estado, entre janeiro de 2021 e junho de 2024. Uma média diária de 144 crimes. No mesmo período, 12.407 inquéritos foram abertos pelo crime.
Nem todo Boletim de Ocorrência resulta na abertura de um inquérito policial. Assim como um inquérito pode investigar mais de um BO (se houver características semelhantes entre os crimes e locais de ocorrência próximos, por exemplo). Os dados da Supesp e a Polícia Civil, ao ser questionada pela reportagem, não determinaram a quantidade exata de BOs que viraram inquéritos, no período.
O crime de roubo é descrito no Código Penal Brasileiro (CPB) como "subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência" e a pena para o infrator é de 4 a 10 anos de reclusão. Já o furto é "subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel" e a pena é de 1 a 4 anos de reclusão.
Os dados anuais mostram ainda que, entre 2021 e 2023, houve uma redução de 10,6% no número de Boletins de Ocorrência por roubo, no Ceará. Já os registros por furto aumentaram 31,6%, na mesma comparação.
Confira os dados por ano:
Uma psicóloga, de 36 anos, que pediu para não ser identificada, entrou para essa estatística. Ela teve o celular furtado em uma festa de Pré-Carnaval, na Praça do Ferreira, no Centro de Fortaleza, em janeiro deste ano. "Eu estava conversando com um amigo, quando começou uma grande movimentação, o que era natural por ter uma troca de bandas. Chegou um homem em mim e pediu para passar. Mas não tinha como ele passar, porque tinha uma fila na minha frente e outra atrás. Ele insistiu, veio para cima. Eu me virei para o meu amigo, e percebi que a bolsa foi aberta, e provavelmente foi ele (homem que a havia abordado). Eu tentei segurá-lo, mas três mulheres me bloquearam, e eu o perdi na multidão", relata.
A vítima procurou policiais que trabalhavam na Praça, os quais a orientaram a ir a uma delegacia da Polícia Civil para registrar um Boletim de Ocorrência. Foi o que a psicóloga fez, ainda naquela noite. Na delegacia, os policiais civis plantonistas tentaram ajudá-la a tentar localizar o celular, através de um mecanismo de segurança do próprio aparelho. Mas eles não obtiveram sucesso. Depois daquele dia, passados mais de 6 meses, a psicóloga não recebeu mais nenhum retorno da Polícia sobre informações de uma possível investigação do crime.
É aquele momento em que a gente se dá conta de que não está tão protegido quanto esperava que estivesse. Até hoje, não recebi nada. Nenhuma notificação, se o celular está sendo usado ou não."
O que dizem os números?
Um policial civil, que preferiu não ser identificado, analisou que os números divulgados pela Supesp mostram que as delegacias estão instaurando poucos inquéritos policiais por roubos e furtos (23.943, em três anos e meio), diante da grandeza de Boletins de Ocorrência (333.892 registros).
"Isso não tem justificativa. Os delegados não estão despachando os BOs desses crimes e os casos vão para o arquivo sem a devida apuração. Muitas pessoas que são roubadas e furtadas sequer fazem BO porque sabem que não dá em nada. Se todos fizessem, os números (de Boletins de Ocorrência) seriam bem piores", completa.
O vice-presidente em exercício do Sindicato dos Policiais Civis de Carreira do Ceará (Sinpol-CE), Marcos Cavalcante, pondera que "não necessariamente a quantidade de Boletins de Ocorrência vai ser a mesma quantidade de inquéritos". "O que acontece, muitas vezes, é que vários Boletins de Ocorrência são unificados em um inquérito. Por exemplo, uma pessoa diz que foi roubada, em uma parada de ônibus, pela manhã, por dois suspeitos em uma moto vermelha. No dia seguinte, tem outra pessoa. E à tarde, mais uma. O pessoal do cartório (da delegacia) identifica a semelhança e procura unificar (as vítimas) em um inquérito", explica.
Entretanto, Cavalcante também acredita que os números de BOs e inquéritos abertos no Ceará evidenciam "uma necessidade da Polícia Civil ter um efetivo maior". "Há casos em que o Boletim de Ocorrência acaba não tendo uma vazão, para prosseguir na investigação daquele crime", aponta.
"Por isso, é interessante a gente pedir para a população para subsidiar as investigações com o máximo de informações, como características dos suspeitos, veículo e vestimenta. No caso de roubo ou furto de celular, é interessante levar o IMEI do celular", indica o vice-presidente em exercício do Sinpol-CE.
Prisões por roubos e furtos
Questionada sobre os números de Boletins de Ocorrência e inquéritos policiais abertos por roubos e furtos, a Polícia Civil do Ceará respondeu, em nota, com números de prisões e apreensões pelos crimes no Estado.
prisões de adultos ou apreensões de adolescentes infratores foram realizadas pelas Forças de Segurança estaduais, por roubos ou furtos, entre janeiro de 2023 e junho de 2024. Por roubo, foram 4.475 capturas em flagrante e 2.211 capturas por força de mandados de prisão. Já por furto, foram 3.670 prisões e apreensões em flagrante, e 391 capturas por ordens judiciais.
A Polícia Civil afirma que a redução de roubos apresentada a cada ano, de 2021 para 2024, é resultado de "iniciativas como o 'Meu Celular' e o 'Segurança no Ponto', que buscam estabelecer estratégias para combater as ocorrências. Enquanto o primeiro se destaca como importante ferramenta no combate a crimes com foco nos aparelhos portáteis, o segundo visa o reforço de policiamento ostensivo com prevenção de crimes contra o patrimônio em paradas de ônibus".
"Lançado em abril deste ano, o programa Meu Celular disponibilizou uma plataforma por meio do qual os proprietários podem cadastrar os aparelhos celulares e ativar um alerta em caso de furto, perda ou roubo, coibindo também a prática de receptação. O sistema pode ser acessado por meio do site https://meucelular.sspds.ce.gov.br, no qual o usuário poderá cadastrar-se com o fornecimento do IMEI do aparelho celular. Com o cadastro, o proprietário poderá ativar o alerta para o celular nos casos já mencionados", destaca a Instituição.
Já o programa Segurança no Ponto, lançado em março deste ano, "tem o objetivo de reforçar a segurança por meio do policiamento ostensivo, pela Polícia Militar do Ceará (PMCE), nas paradas de ônibus com base em dados fornecidos a partir da Supesp, obtidos a partir do registro de Boletins de Ocorrência (BOs) pela Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE). A primeira fase do programa é realizada na Capital em parceria com o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus)".
Outra plataforma que se soma à estratégia de combate aos roubos, segundo a Polícia Civil, "é o E-Denúncia 181, lançado na última semana, que disponibiliza uma página no site da SSPDS com uma plataforma por meio do qual o cidadão pode repassar informações para contribuir nas investigações. Entre os tipos de denúncias, o visitante pode repassar informações sobre práticas ilícitas como roubos, furtos e receptação".