Considerando a quantidade de irregularidades cometidas por candidatos às vagas em universidades, além das que não chegam a ser identificadas, as cotas raciais e sociais acabam não beneficiando todos que realmente podem e necessitam usufruir do sistema.
Negro e estudante de escola pública, Yuri Mota, de 23 anos, conseguiu ingressar no concorrido curso de Medicina da Universidade Federal do Cariri (UFCA) em 2017, através do mecanismo das cotas, que considera “necessário para a inclusão”. Ao ver o mecanismo sendo burlado de forma irregular, a sensação, para Yuri, é de impotência.
“A gente sente os direitos roubados. Foi muita luta para conseguir a aprovação de uma lei dessas e, mesmo com ela, para entrar é preciso estudar muito. As pessoas só aprendem na base da penalidade”, afirma.
Ele condena as fraudes e analisa que “as cotas fazem com que a desigualdade seja diminuída”.
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A opinião é respaldada por números. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as chances de um negro conquistar um diploma de graduação aumentaram quase quatro vezes nas últimas duas décadas no País. Ainda conforme o IBGE, o percentual de pretos e pardos que concluíram a graduação cresceu de 2,2%, em 2000, para 9,3% em 2017.
Mesmo com os avanços, possibilitados também pelo mecanismo de heteroidentificação, Mota enfatiza que o sistema de cotas pode ser melhorado para mitigar as fraudes. “A lei [que instituiu as cotas nas universidades] é muito bonita, mas quando colocada em prática, tem que ser acompanhada”, completa.
'Revolução silenciosa'
A pesquisadora Luizete Vicente, da Universidade Federal do Ceará (UFC), reforça que as cotas, de fato, modificaram a realidade brasileira, e as descreve como uma “revolução silenciosa”. “Em 20 anos, houve uma melhoria nos índices de qualidade da educação e houve diminuição na quantidade de desistências. Todos os mitos caíram por terra. A história mostra que as cotas funcionam”, afirma.
Luizete conduz pesquisas sobre o acesso de mulheres negras à Comunicação, e considera que as fraudes nas instituições acabam por enfraquecer o debate das cotas e desqualificar essa política.
“Fortalece o discurso de que ‘não dá para saber quem é negro no Brasil’, que ‘nós vivemos em um País miscigenado’. Sim, somos. Mas, o percentual de população negra é visível na sociedade. A gente tem no Brasil um racismo muito cruel e essas fraudes também têm a ver com esse racismo à brasileira”, avalia.
Ela pondera que a situação remete a negar à população negra o acesso à educação, e, por isso, é necessário criar estratégias e continuar denunciando fraudes dessa natureza. “Política pública não acaba quando acontece. Ela é implementada e avaliada constantemente, é um monitoramento. A gente vai preenchendo as brechas", conclui.