Romaria: Pela primeira vez na história, 'procissão da luz' em Juazeiro do Norte não acontecerá

Momento mais marcante da Romaria de Nossa Senhora das Candeias, a tradição secular foi interrompida em atendimento aos protocolos da Covid-19

No dia 2 de fevereiro, Juazeiro do Norte se acostumou a reunir uma multidão no largo da Capela do Socorro, onde está o túmulo do Padre Cícero, para realização de uma das tradições mais bonitas da fé popular nordestina. Após o sol se pôr, acontece a bênção das velas, onde cada devoto ajuda acender sua vela ou lamparina. Em seguida, um cordão de luz toma as ruas, entoando uníssono: Bendita e louvada seja a luz que mais alumeia. Valei-me meu padrinho Ciço e a Mãe de Deus das Candeias”.

Porém, neste ano, a tradicional “procissão da luz” não acontecerá por conta da pandemia da Covid-19. A Romaria de Nossa Senhora das Candeias terá programação virtual e missas com 50% da capacidade dos templos.  

Marcando o fim do chamado ‘Ciclo de Romarias’, que começou em setembro, todo em formato virtual, a Romaria de Candeias será em cenário semelhante ao dos últimos meses. A programação será transmitida pela TV Web Mãe das Dores, da Basílica de Nossa Senhora das Dores. Ontem (12), uma reunião selou, pela primeira vez, o cancelamento da procissão. 

A bênção das velas será mantida, às 17h, do dia 2 de fevereiro, com transmissão ao vivo. Porém, o padre Cícero José da Silva, reitor da Basílica de Nossa Senhora das Dores, antecipa que, após este momento, os romeiros e devotos, de suas casas, acendam uma vela e, em seguida, rezem o terço “pedindo pelo fim da pandemia e paz em todas famílias”, suplica.

A programação religiosa, como as missas, acontecerá com 50% da capacidade das igrejas, medida que já vem sendo adotada desde o último mês de setembro. O atendimento às confissões segue de forma agendada. Já os shows musicais e as demais apresentações, serão transmitidas na internet. Outras ações, como as entrevistas e debates, que aconteceram nas últimas romarias, ainda estão sendo discutidas.

Adaptação 

Com expectativa para a chegada da vacina contra a Covid-19, padre Cícero José espera que haja um retorno das romarias presenciais. Mesmo assim, adverte: “Particularmente, sei que nunca mais será o mesmo. A pandemia nos forçou a mudar metodologias, seja no encontro, nas transmissões, o incentivo para adentrar mais nas mídias sociais”, detalha. 

Ainda não se sabe se, em 2021, no próximo ciclo, os devotos peregrinarão para participar das romarias, mas o sacerdote se antecipa:

“Devemos nos preparar melhor para acolher, celebrar e fazer uma reflexão sobre a valorização da vida, afinal, mais de 200 mil pessoas morreram pelo vírus”, completa.  

Em sua avaliação, a chegada do novo coronavírus levou à Igreja a repensar seu protagonismo como missionários, alterando as metodologias e o jeito de celebrar.

“Já tínhamos um investimento na comunicação, principalmente na TV Web Mãe das Dores. Reforçamos e aumentamos a programação. Conseguimos entrar em grandes capitais. Claro, nada substitui o encontro pessoal, o abraço, a igreja cheia, mas tivemos que nos adequar e conseguimos chegar em outros espaços”, acredita o pároco.  

Origem

Diferente das duas maiores romarias, de Nossa Senhora das Dores, padroeira do município e que é celebrada desde que Juazeiro do Norte era apenas um povoado do Crato, e de Finados, que surgiu espontaneamente após a morte do Padre Cícero, a origem da celebração de Candeias é envolvida de mistérios e hipóteses. Antes da pandemia, estima-se que 200 mil pessoas visitam a cidade por causa dela.  

A pesquisadora Renata Marinho explica que não há um ponto inicial confirmado, uma data específica para a origem desta celebração. Segundo a oralidade, a versão mais popular, explica que com a vinda de pessoas para o povoado em busca de alento espiritual e material, trouxe pessoas das mais diferentes profissões. Um serralheiro, desempregado e passando dificuldades, teria pedido ajuda ao “padrinho”.

O sacerdote orientou que fabricasse os candeeiros. “Aí chegando próximo a data da celebração, ele recomenda aos fiéis que comprasse para uma grande procissão que aconteceria dia 2. As pessoas procuraram este senhor que conseguiu exercer seu trabalho”, conta.   

"Não existe, pelo menos não encontrei uma documentação, que diga o ano que começou”, reforça a também pesquisadora Fátima Pinho, que estudou o papel da imprensa brasileira na divulgação dos milagres. Contudo, uma segunda hipótese, narrada em cordel, conta que em 1897, houve uma procissão de velas para iluminar a mente do bispo Dom Joaquim José Vieira.

“Para que ele olhasse para a ‘questão’ de Juazeiro com piedade. Aquele ano estava no auge da repressão contra o milagre. O Padre Cícero já havia sido cassado das ordens sacerdotais. Os padres que reconheceram os fatos extraordinários, já haviam se retratado”, explica.  

A celebração de Nossa Senhora das Candeias ou da Candelária, da Apresentação, da Luz ou da Purificação remota a época de Cristo. O dia 2 de fevereiro marca 40 dias após o nascimento de Cristo.

“Os dias de resguardo, onde a mulher é considerada impura, não poderiam entrar no templo”, conta Pinho. A “Virgem da Luz” teria aparecido na ilha de Tenerife, na Espanha, em 1400. A devoção a santa se espalhou, sobretudo, por Portugal.