O trimestre de abril a junho é de risco para redução acentuada dos níveis de oxigênio nas águas do maior açude do Ceará, o Castanhão. Isso, caso ocorra, implica na possibilidade de ocorrência de mortandade do pescado criado em gaiolas. O alerta foi feito na tarde desta segunda-feira (19) pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) em reunião remota promovida pelo Comitê da Bacia do Médio Jaguaribe.
O analista de recursos hídricos da Cogerh, Mário Barros, relacionou o período chuvoso com a perda de níveis de oxigênio na coluna de água do açude. “É de se esperar para agora maior produção de gases tóxicos que se acumulam no fundo do reservatório, pois esse cenário está se iniciando”, alertou. “Essa é a tendência, mas não temos como antecipar quando vai ocorrer”.
No último dia 17, a coleta de dados no Castanhão, por técnicos da Cogerh, revelou que havia menor concentração de oxigênio na coluna de água; sedimento com pouca concentração de oxigênio, mas com gases tóxicos; temperatura mais elevada (menor solubilização do oxigênio); mais matéria orgânica depositada a partir dos aportes (chegada de água nova ao açude); morte do fitoplâncton; e predomínio da cianobactéria.
“Esse cenário é uma bomba-relógio que pode explodir a qualquer dia”, frisou Barros, que explicou que o ciclo de variações dos índices de oxigênio na água é rápido, com mudanças significativas em 24 horas.
Volume reduzido
A Cogerh faz mensalmente o monitoramento da quantidade e qualidade da água de reservatórios estratégicos no Ceará. “O Castanhão, infelizmente, está com volume reduzido (12%) e nos meses chuvosos há uma tendência de mudança de temperatura, queda da produção de oxigênio e, por isso, pode ocorrer ou não o fenômeno da mortandade, daí o nosso alerta”, pontuou o diretor de Operações da Cogerh, Bruno Rebouças.
O alerta da Cogerh tem o papel de evitar que a quantidade de pescado seja ampliada ou que novas gaiolas sejam recolocadas no reservatório. Evitando, portanto, mais prejuízo para os piscicultores que ainda resistem na atividade. A partir da chegada da água da transposição do rio São Francisco ao reservatório, cresceu a expectativa de retomada da produção de pescado (tilápia) em cativeiro.
Mário Barros lembrou que “no Ceará não há estações climáticas bem definidas, mas temos verões chuvosos e invernos secos”. Ele esclareceu que durante o dia, a sensação de ar mais frio no período que vai de abril a junho não quer dizer necessariamente que a água do açude está mais fria.
No período da noite, a água esfria, não há produção de oxigênio, mas há consumo pelos peixes, facilitando o surgimento de gases tóxicos e de organismos patogênicos, no fundo do açude. Durante o dia, ocorre o inverso e com mais oxigênio na água forma-se uma barreira que impede que os gases nocivos subam”
A luz solar promove a fotossíntese, o ciclo natural que envolve oxigênio, respiração, gás carbônico e novamente oxigênio a parir do fitoplâncton. À noite, não há esse processo. Em decorrência, a mortandade do pescado se verifica durante a madrugada, geralmente.
O monitoramento realizado pela Cogerh, no Castanhão, revela que em março, período que começa a se intensificar a chuva no Ceará, a produção de oxigênio chega a ser quase zero a partir de cinco metros de profundidade, mas em camada mais superficial chega a ser 4.5mg/litro. A temperatura tem pouca variação, alcançando 28.5°C em profundidade de 20 metros e 29.5°C na superfície.
Em comparação com janeiro, por exemplo, a quantidade de oxigênio chega a 4,7mg/l na superfície e cai apenas para 3.0mg/l a 25m de profundidade. A temperatura, por sua vez, não varia, e se mantém em torno de 28°C em toda a coluna de água.
A pesquisa realizada entre 2019 a 2021 revela a repetição do ciclo de maior concentração de oxigênio na coluna de água nos meses de agosto a janeiro e de menor quantidade entre fevereiro a maio (quadra chuvosa) e com transição no bimestre junho/julho.
Volume
De acordo com o Portal Hidrológico da Cogerh, o Castanhão neste ano já recebeu um aporte de 160 milhões de metros cúbicos. Desde o começo de março passado, já houve liberação de 35 milhões de metros cúbicos do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) para o riacho Seco, rios Salgado e Jaguaribe, chegando ao açude a partir de 10 de março passado.
Assim, pode-se afirmar que o Castanhão recebeu cerca de 130 milhões de metros cúbicos de água oriunda da chuva.
O piscicultor Draulino Oliveira questionou a liberação de cerca de 7 mil litros por segundo do Castanhão para a Região Metropolitana de Fortaleza. O diretor da Cogerh, Bruno Rebouças, esclareceu que há necessidade da transferência do recurso hídrico. “As chuvas em Fortaleza ocorrem na borda, não chegam a 40km em linha reta para atingir os reservatórios”, pontuou. “A região está com menos 140 milhões de metros cúbicos do que no ano passado”.
Perdas
A partir de 2012 com a perda sucessiva de volume, já houve vários episódios de mortandade de pescado no Castanhão. O fenômeno chegou a reduzir em 98% a produção de pescado, de acordo com a secretaria de Desenvolvimento Econômico e Aquicultura de Jaguaribara.
A produção de tilápia em tanques-rede no açude Castanhão começou já em 2004, quando o reservatório encheu. Nos anos seguintes, cresceu e o reservatório tornou-se referência como polo produtivo.
Em 2013, o Castanhão liderou o ranking de maior produtor nacional de tilápia - 22 mil toneladas naquele ano, beneficiando cerca de duas mil famílias com empregos diretos e indiretos.
“Após três grandes eventos de mortandade (2015, 2016 e 2019) por inúmeros motivos, as produções foram dizimadas, ficando os produtores sem renda e com dívidas até hoje”, frisou a secretária de Desenvolvimento Econômico e Aquicultura, Lívia Barreto. “Atualmente, o Castanhão tem uma produção minúscula em torno de 300 toneladas/mês, com um número bem pequeno de produtores, em torno de 40”.
Centenas de piscicultores ficaram desempregados e os negócios na cidade caíram cerca de 70%, observa a titular da pasta.