Jaguaribara. Dezesseis anos após a transferência de famílias da antiga para a nova Jaguaribara, em decorrência da construção do Açude Castanhão, o maior do Estado, a promessa de uma vida próspera para agricultores e moradores ainda permanece descumprida. Projetos produtivos não foram implementados em sua totalidade. A área urbana amarga o agravamento da crise financeira, que se abate sobre o comércio, com o fim da produção de pescado, e assiste ao esvaziamento e ao crescimento da violência.
Entre os habitantes adultos, há um sentimento misto. Saudade da antiga cidade, pequena, típica do Interior, às margens do Rio Jaguaribe, de casas conjugadas, da conversa noturna na calçada, do plantio de vazantes; de desesperança com o novo inacabado; e um reconhecimento de que a mudança trouxe aspectos positivos, um centro urbano planejado, saneado, casas melhores e mais amplas.
Planejada
Jaguaribara é a primeira cidade planejada do Ceará. Apresenta topografia plana, ruas e avenidas largas, com ciclovias, casas separadas com áreas laterais. A arquitetura moderna alargou o centro urbano, há distanciamento entre imóveis. Surge a impressão de grandeza e uma constatação de um núcleo esvaziado, quase abandonado.
"A cidade está mais pobre com a paralisação dos criatórios de pescado de forma intensiva no Castanhão", observa a secretária de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Pesca do Município, Lívia Barreto.
O setor movimentava R$ 7 milhões por mês. A queda no comércio é superior a 30%. A produção estimada era de 20 mil toneladas por ano de tilápia, no reservatório. "Enfrentamos uma crise nacional econômica e uma local grave".
Evasão
Veio o desemprego e aumentou a saída de moradores, operários e jovens, em busca de trabalho, de novas oportunidades. Uma escola de Ensino Médio encerrou atividades no ano passado. Lojas fecharam. "O dinheiro que circula por aqui é de aposentados e da Prefeitura", observa Maria Edneide Cavalcante, secretária da Paróquia de Santa Rosa de Lima. "Voltamos a ser o que era na antiga cidade, pobres".
O Castanhão acumula apenas 4% de sua capacidade. Ninguém imaginava que aquele mar imenso de água doce um dia iria se acabar. Está prestes a secar. "A esperança de um futuro, de melhoria de renda era a barragem. A cidade sobrevive, depende economicamente desse açude", disse o padre Marcos Oliveira. O sacerdote pontua: "Não há possibilidades de trabalho, as pessoas estão indo embora; e a violência, assaltos, que ninguém via, estão surgindo e trazendo medo".
O padre Marcos Oliveira lembra de muita promessa de trabalho e renda a partir dos projetos produtivos que não foram implementados. "O contexto social e econômico da região é de pobreza e não dava para prometer o paraíso aqui nessas terras dependentes da chuva. Mas prometeram, alimentaram o sonho". A religiosa irmã Bernadete foi, até 2010, uma voz em defesa dos direitos dos moradores e agricultores. Reivindicou, lutou.
Atualmente mora em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. "Quando saí, deixei 14 pendências, promessas não cumpridas pelo governo, pelo Dnocs e a maioria permanece", disse. "Os políticos passam, as ações não são efetivadas e o povo sofre". A freira lembra, entretanto, que houve conquistas. "Não se pode apenas olhar para as falhas", disse.
Saudade
Os moradores com mais de 30 anos guardam saudades da antiga cidade. "O saudosismo é grande, há emoção, lembrança do rio que passava ao lado da antiga Jaguaribara", disse o padre Marcos Oliveira. "A infraestrutura da nova cidade é incomparável, mas não se pode apagar o patrimônio sentimental, cultura do povo, dos mais velhos".
Os jovens com menos de 20 anos não têm o sentimento de perda, apenas conhecem a história dos pais e avós, e lamentam a falta de oportunidade na cidade nova. "Estou estudando em Limoeiro do Norte, me preparando para o Enem", disse Henrique Alves. "Quero fazer uma faculdade, sair daqui porque não há trabalho", completou.
A primeira casa entregue em Jaguaribara foi em 26 de julho de 2001. Em seguida, houve a mudança das famílias. Missa e procissão com as imagens dos santos, Santa Rosa de Lima e São Sebastião, que foram introduzidas na nova Igreja Matriz, marcaram o evento. A mudança se completou em fins de 2003 e, no início de 2004, quando a barragem encheu em 20 dias, os antigos agricultores e moradores tiveram que sair de suas terras, nas áreas rurais.
Perda
"O meu sentimento é de perda e aquela madrugada da procissão, da mudança das famílias, mais parecia um velório", diz Maria Edneide Cavalcante. A aposentada Francisca Oliveira diz que já se acostumou. "No começo, foi estranho, ruim, sem vizinhos para conversar, mas o jeito foi aceitar". O comerciante Francisco Souza corta logo a conversa e o sentimento. "Eu me acostumei logo no outro dia".
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Francisco Saldanha, 81, morava na zona rural de Jaguaribara, próximo ao açude Velame, onde costumava fazer vazantes de batata, feijão, arroz, macaxeira, no sítio Macambira, onde havia mais de 100 agricultores. "Uns tinham terra, outros eram moradores", disse. "Tudo isso ficou para trás e por aqui há todo tipo de sentimento, uns acham melhor, outros pior, mas não tinha outro caminho a fazer. Para mim, o passado era o céu".
Saldanha reclama dos projetos de irrigação e da criação de vacas leiteiras, que não foram implantados em sua totalidade. "O que estava dando certo era o peixe, que se reproduzia demais, mas o açude está secando e os criatórios se acabaram".
Injustiça
O líder sindical encontra coro no legislativo municipal. O vereador Daniel Gonçalves é enfático. "Há 14 anos que um grupo de 120 produtores rurais espera por recursos e matrizes para criar o gado leiteiro, mas, até agora, nada", disse. "O que fizeram com agricultores de 23 comunidades que foram cobertas pelas águas, que tiveram que sair de suas terras, foi a maior injustiça social".
Os produtores viram, durante todos esses anos, a água do Castanhão escorrer no Eixão das Águas em grande quantidade para abastecer o consumo residencial, comercial e industrial da Região Metropolitana de Fortaleza, atender à demanda do Pecém. "Agora, a água está se acabando para todos, pouco deram para nós", disse o produtor rural José Geraldo Almeida, que com muita dificuldade tenta criar seis vacas. "Estão cortando a água para irrigar o capim", disse.
Sem investimento
A Prefeitura de Jaguaribara praticamente assiste à crise econômica e social se abater sobre a cidade sem capacidade de reação. O Município enfrenta queda das receitas de FPM e ICMS, as duas principais fontes. Até 2012, havia um convênio com o governo do Estado, que liberava recursos para manutenção da cidade no valor de R$ 96 mil mensais, aplicados na limpeza pública e outros serviços.
"Estamos tentando reativar essa verba", disse o secretário de Planejamento, Administração e Finanças, Willame Duarte de Oliveira. "A nossa situação é crítica, estamos mantendo a folha de pagamento em dia com muito esforço e ainda temos que complementar recursos para saúde e educação".
Para Willame Oliveira, oriundo da antiga Jaguaribara, o sonho de uma nova vida, uma cidade desenvolvida e rica, não se realizou. "Essa cidade foi planejada para 70 mil moradores, mas tem pouco mais de dez mil, e vem perdendo população a cada ano", frisou. "Hoje, a cidade está esvaziada, parece um deserto, sem investimento".
A secretária Lívia Barreto lembra que, após a mudança, Jaguaribara começou a crescer. Vieram os projetos de piscicultura, a economia foi impulsionada, havia a expectativa de mais renda oriunda da agricultura, pecuária. Mas, nos últimos dois anos, veio a crise. "Não podemos negar que há um momento de decadência, pois 60% da economia local giravam em torno da piscicultura", observou. "Em termos financeiros, a vida das pessoas estava melhor".
Sobre as relações sociais, o modo de viver entre a velha e nova Jaguaribara, Lívia Barreto expressa saudade da infância, da adolescência. "É como se a gente não fosse da cidade, não há vontade de ir para a praça. As pessoas só se juntam quando alguém morre. Houve resistência na mudança, de 12 mil moradores. Só vieram seis mil. O sofrimento de pais e avós reflete na gente", finalizou.
Fique por dentro
Conheça mais sobre o antes e depois
A data de emancipação de Jaguaribara permanece a anterior, 9 de março de 1957. O Município surge do desmembramento de Jaguaretama. A denominação é em homenagem a uma tribo indígena Tupi. A origem é o povoado de Santa Rosa.
No dia 25 de setembro é feriado municipal em comemoração ao aniversário, inauguração da nova cidade, em 2001. Em 26 de julho de 2001, ocorreu a entrega da chave da cidade pelo então governador, Tasso Jereissati, e da primeira casa, após celebração de missa na antiga Jaguaribara, seguida de procissão com as imagens de Santa Rosa de Lima, padroeira; e São Sebastião, copadroeiro, em uma viatura do Corpo de Bombeiros. De carro, centenas de moradores acompanharam o cortejo.
Segundo dados do IBGE, Jaguaribara registrou 10.399 moradores no censo demográfico de 2010. A estimativa populacional para 2017 é de 11.295. É a primeira cidade totalmente projetada, planejada do Ceará.
O Açude Castanhão é o maior do Ceará, com capacidade para acumular 6,7 bilhões de m³. Hoje acumula apenas 4%, segundo a Cogerh. Foi inaugurado em dezembro de 2002. O reservatório cobriu a antiga Jaguaribara em fevereiro de 2004.
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"De tudo você encontra por aqui. Tem os satisfeitos, que melhoraram; outros que já perderam a esperança, não acreditam mais que os projetos serão concluídos; outros insatisfeitos e que achavam que a vida na cidade velha era melhor. Para mim, era o céu"
Francisco Saldanha. Aposentado
"O sentimento do povo que vivia na antiga Jaguaribara é de saudosismo, das lembranças do rio, das rodas de conversa nas calçadas, do jeito de viver que mudou e é sentido pelos mais idosos. Havia esperança de um futuro melhor que não chegou"
Marcos Oliveira. Padre