O fóssil de uma aranha descoberto na Bacia do Araripe, na região do Cariri cearense, que havia sido levado ilegalmente para os Estados Unidos, retornou ao Ceará nesta semana. A espécie descoberta é a mais antiga da família dos Palpimanidae, que viveu há cerca de 113 e 122 milhões de anos. Este foi o primeiro exemplar encontrado na América do Sul. A espécie foi batizada de Cretapalpus vittari, em homenagem à cantora brasileira Pabllo Vittar.
Através de um rede social, o paleontólogo Renan Bantim, professor temporário da Universidade Regional do Cariri (Urca) e curador do Museu Paleontológico Plácido Cidade Nuvens, vinculado à Urca, confirmou a devolução do holótipo — peça única que serve de base para a descrição da espécie — e agradeceu à Matthew R. Downen, cientista responsável, ao lado do britânico Paul A. Selden, pelo estudo que descreveu o fóssil.
Após a repercursão negativa da saída do fóssil Cretapalpus vittari, o próprio Downen teria se comprometido a facilitar a devolução do holótipo. Junto com o retorno da espécie de aranha, outros fósseis de 35 aranhas, que também estavam na Universidade do Kansas (EUA), voltaram ao Cariri. Elas passam a integrar o acervo do museu Plácido Cidades Nuvens, em Santana do Cariri.
Conforme o diretor do Museu, Allysson Pontes Pinheiro, as 35 espécies que foram devolvidas junto ao fóssil que homenageiam Pablo Vittar, ocorreu de forma espontânea. "Pedimos o fóssil Cretapalpus vittari, mas acabamos recebendo mais peças que até então não tínhamos conhecimento que estavam lá. Acreditamos que a Universidade do Kansas, ao analisar o pedido, viu que tinha mais peças na mesma situação e, de forma correta, fez a devolução de todas".
Contudo, ele ressalta que ainda não se sabe como e que forma esses outros fósseis saíram do Brasil. "Não necessariamente saíram todas juntas". Na próxima quinta-feira, dia 21, haverá uma entrevista coletiva para apresentar, pela primeira vez, os espécimes à comunidade.
Saída ilegal
Não se sabe ao certo quando o fóssil Cretapalpus vittari teria sido levado aos EUA e por quais meios. Em artigo publicado na revista científica Journal of Arachnology, pesquisadores que fazem parte do departamento de geologia da Universidade do Kansas — onde o fóssil estava — afirmaram que o espécime foi doado para Paul A. Selden.
A susposta doação teria sido feita “pelo Centro de Pesquisas Paleontológicas da Chapada do Araripe e Departamento Nacional de Produção Mineral (CPCA-DNPM) para fins de pesquisa e ensino”. Contudo, não há qualquer documento que ateste ou valide a doação.
Em entrevista concedida ao Diário do Nordeste, em junho deste ano, o paleontólogo Álamo Feitosa, que coordena o Laboratório de Paleontologia Urca, ressaltou que "nem o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) poderia doar" o espécime.
O Decreto Lei Nº 4.146, de 1942, determina que os fósseis são propriedade da União. Ao contrário de alguns países, como Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido, a compra e venda no Brasil é proibida.
A pena para quem comercializa as peças varia de um a cinco anos de prisão. Contudo, segundo Allysson Pinheiro, a devolução foi em comum acordo e não envolveu a esfera jurídica. "Acreditamos que o processo de investigação será encerrado. Mas isso não cabe a nós, do Museu. Como os fosséis estavam em uma Universidade e sendo objeto de estudo, creio que não haverá penalização", avaliou.
Outro caso de exportação ilegal
Em apenas um ano, esta já é a segunda grande descoberta científica que entra na mira do Ministério Público Federal (MPF). Em outubro do ano passado, pesquisadores estrangeiros descobiram uma espécie de dinosauro, a mais antiga já encontrada na mesma Bacia do Araripe. Batizado do Ubirajara jubatus, o fóssil foi levado, de forma ilegal para um museu da Alemanha, em 1995.
A exportação teria ocorrido após um servidor do escritório regional do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), em Crato, ter emitido uma autorização por escrito. O documento, sem qualquer valor jurídico, foi apresentado no ano passado pelo paleontólogo Eberhard Frey, diretor do Museu Estadual de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha.
A autorização seria para para transportar "duas caixas contendo amostras calcárias com fósseis, sem nenhum valor comercial, com objetivo precípuo de proceder com estudos paleontológicos". O processo fere a legislação brasileira.
Portaria do MCT nº 55, de 14 de março de 1990, determina que materiais e dados científicos do Brasil só podem ser estudados fora do país com algumas condições, dentre elas, o intermédio de uma instituição técnico-científica brasileira, a participação de ao menos um cientista brasileiro na pesquisa e a devolução do material.
O servidor, hoje aposentado, à época justificou ao Diário do Nordeste que a autorizaçao não incluia transporte de fóssil. Foi instaurado um inquérito criminal que vai buscar a responsabilização da saída deste material do Brasil.