Juazeiro do Norte O centenário de uma das grandes personalidades caririenses será lembrado em Juazeiro do Norte, com evento realizado por meio da Comissão do Centenário da cidade. A escritora e uma das grandes estudiosas sobre a vida de José Joaquim Telles Marrocos, Luitigarde Barros, estará em Juazeiro para realizar palestra, no dia 14 de agosto. José Marrocos foi professor e jornalista, um autodidata de notória inteligência, segundo o presidente da Comissão do Centenário, Geraldo Barbosa. Falava e escrevia em cinco idiomas. Era primo de Padre Cícero e um dos grandes defensores dos fatos extraordinários de Juazeiro, envolvendo a beata Maria de Araújo e Padre Cícero. Uma das figuras polêmicas da cidade, chegou a fundar o jornal O Rebate e passou a defender a emancipação política de Juazeiro. Morreu em 1910 sem que visse Juazeiro independente do Crato. A emancipação só ocorreu um ano depois, em 1911.
Pesquisador da História de Juazeiro do Norte, o professor Renato Casimiro afirma que todos os momentos referidos na crônica histórica cearense, com respeito à vida e lutas de José Joaquim Telles Marrocos, "são plenos de fatos e narrativas que nos mostram um personagem fascinante, intrigante e profundamente rico de elementos típicos dos heróis anônimos que construíram nossa história".
Segundo o pesquisador, ele ficou conhecido por ter sido a cabeça extraordinária destes instantes onde se construiu parte da imprensa e da cidadania do Estado e da civilização do Cariri, vivendo episódios memoráveis por onde passou.
Renato Casimiro lembra da edição de "O Rebate", de 21 de agosto de1910, que prestava homenagem ao seu fundador. José Marrocos estava em Joazeiro para preparar a abertura inaugural da Sociedade "Beneficência Pública", que funcionaria anexo ao seu Colégio "O Pedagógico", junto à Igreja de Nossa Senhora das Dores. Ajudara-lhe a educadora Izabel Montezuma da Luz. Após o almoço, depois de uma breve conversa, Marrocos volta para seus aposentos no Colégio, toma um café servido por Izabel e repousa. Não teria permanecido aí mais que 30 minutos e, depois, entra em agonia e falece.
Relata o professor que não faltaram insinuações de que Marrocos fora assassinado por Floro Bartholomeu da Costa, ausente da cidade, e colocando suspeição também na beata Izabel da Luz. Nada se comprovou até hoje. Declarado público seu falecimento, Padre Cícero e Padre Peixoto logo tomaram as providências de velório e sepultamento, pondo o corpo em câmara ardente. Não se descreve com precisão a enorme visitação do povo, chamado a esta homenagem, por todo o restante do dia, pela madrugada do dia seguinte até o sepultamento, que aconteceu no Cemitério do Socorro.
Era uma multidão incalculável, vinda de todo o Cariri, civilizado pelo mestre e educador por seus colégios, jornais e atividades no Crato, Barbalha e Joazeiro. Na manhã do dia 15 de agosto, depois da missa de corpo presente, com a celebração do "De Profundis", a cargo dos padres Cícero e Peixoto, secundados pela participação da Orquestra Santa Cecília e Coro, o féretro seguiu para o sepultamento. Cinco coroas de flores foram postas junto ao seu corpo, enviadas por Padre Cícero, padre Peixoto, dos seus alunos do Pedagógico, do povo de Joazeiro e, ainda, da família Bezerra de Menezes.
O cortejo, descreve "O Rebate", teve o acompanhamento da Banda de Música do Conservatório, executando a Marcha Fúnebre, seguido silenciosamente pelas confrarias religiosas (Irmandades do SS. Sacramento, do SS. Coração de Jesus e da Ordem Terceira Franciscana). Na chegada ao campo santo, estimava-se em mais de cinco mil pessoas que se aglomeravam junto ao jazigo preparado pelo Padim. Antes do caixão ser colocado no túmulo, ouviram-se diversos oradores em pronunciamentos emocionados, alguns dos quais o próprio "O Rebate" reproduz na edição já referida.
E nesta edição do jornal, hoje centenária, há orações de seus alunos, em francês, latim e grego. O primeiro foi o padre Joaquim Marques de Alencar Peixoto, então dirigente de "O Rebate", em nome de toda a equipe da redação que, àquela hora, lutava bravamente pela emancipação de Joazeiro. Peixoto fez a exaltação de Marrocos, começando por classificá-lo como "cristão, divinamente piedoso..." e fazendo retrospectiva de sua inexcedível dedicação a tantas causas. Seu aluno, Enoch Nogueira, falou a seguir, expressando a veneração de seus alunos ao mestre muito querido. Depois falou o professor Guilherme Moreira Ramos de Maria, tratando-o como apóstolo da religião e da fé. José Ferreira de Menezes, outro aluno, enalteceu as imensas qualidades de Marrocos, em oração muito emocionada.
Pelo povo de Joazeiro, falou o médico Floro Bartholomeu da Costa. Em certo momento de seu discurso, Floro diz: "Vai-te José Marrocos, em corpo, de nós te separar para sempre nesta urna que a natureza te deu; mas recebe nas flores que agora espargimos sobre ti, nas lágrimas que te derramamos e neste nosso último olhar, a oração purificadora da amizade!...".
Por último falou o Major Pedro Nogueira, da cidade de Milagres, como seu grande amigo. O caixão baixou à sepultura e o enterramento foi concluído à vista de muitos presentes de todas as cidades do Cariri que mandaram suas representações. "José Marrocos saia da convivência dos seus, família e amigos, e entrava, definitivamente, para a história deste pobre Juazeiro do Norte, hoje centenário. Lutou, mas não viu o fim da batalha", diz o pesquisador Renato Casimiro.
José Marrocos teve uma grande influência na propagação dos milagres de Juazeiro. Alguns panos com o sangue da beata foram guardados por Marrocos. Geraldo Menezes Barbosa destaca a importância dessa grande personalidade, como o orientador cultural do processo de emancipação política do Município. "Ele tentou ser padre, mas quando chegou no último ano foi posto para fora porque era moreno e era filho de um padre", disse.
Com toda a sabedoria adquirida no Seminário, onde aprendeu com os padres lazaristas franceses, lutou pela libertação dos escravos, em Fortaleza, e depois decidiu ir para o Rio de Janeiro, onde foi chamado por José do Patrocínio. Esteve reunido com Rui Barbosa. "Foi uma personalidade que conseguiu sair do Crato e se articular com as grandes personalidades do País", destaca. (ES)