Reunir-se em volta da mesa e celebrar com a ceia natalina é tradição presente em vários lares. No interior cearense, esses costumes se acentuam com a chegada de familiares e amigos que, residindo em outras cidades, têm a oportunidade de voltarem às suas origens aproveitando o período de férias ou recesso. No entanto, em 2020, esse momento de união e de reencontros terá que ser remodelado diante da pandemia da Covid-19.
Adaptar para preservar
Pela primeira vez em mais de 70 anos, a ceia nos moldes tradicionais - celebrada há quatro gerações - não irá ocorrer na casa da servidora pública Cristiana Roberta Batista.
Com alguns familiares no grupo de risco, a decisão foi fazer um encontro virtual, mantendo a ceia apenas em pequenos clãs e preservando a saúde de todos. "Infelizmente, esse cenário muda tudo, não só cria distâncias nunca vivenciadas como impede os abraços, os carinhos, o aconchego, o acolhimento pessoal. Pela segurança de todos, tornou-se absolutamente inviável a reunião da família de forma presencial. É abdicar agora para que, se Deus quiser, no próximo Natal, possamos estar novamente todos juntos", pontua Roberta.
A matriarca da família, Vera Maria Lima Batista, reforça os cuidados da filha Roberta e acrescenta que "pela preservação da saúde de todos não podemos nos expor" neste Natal. A mudança, no entanto, não representa ruptura da tradição, faz questão de ressaltar Dona Vera, que viu essa semente nascer com sua mãe.
"O período natalino para a nossa família é mágico, envolto de sentimentos e, sobretudo, um momento de muita fé. Somos uma família muito cristã, e cada geração se sente responsável por transmitir essa luz e manter viva essa chama a cada ano".
A manutenção dessa chama pode ser notada em cada detalhe de sua residência, na cidade do Crato. A casa começa a ser ornamentada logo após a celebração de Todos os Santos. "Enfeitamos com luzes, presépio, anjos, árvore de natal. A intenção é demonstrar ao mundo a nossa alegria da celebração", relata.
A pequena Emile, de 11 anos, neta de Dona Vera, faz parte da quarta geração da família que vivencia os encantos da Natal. "Ansiosa" pela "ceia diferente", ela considera que "os meios digitais vão proporcionar os encontros que não serão possíveis neste ano".
"Ceia delivery"
O representante comercial Fernando Cavalcante Lima também alterou a forma de confraternizar neste ano marcado pela pandemia. Há pelo menos uma década, ele promove em sua casa, na cidade de Iguatu, uma celebração religiosa e, em seguia, oferta a ceia de Natal "para mais de 30 pessoas". "Neste ano não vamos ter. Minha mãe tem 88 anos, minha sogra, 80. Temos várias tias que já são septuagenárias, então seria muito arriscado realizar a ceia. Até irresponsável, diria".
No entanto, para manter viva a tradição, sua esposa, a professora Alzenir Barbosa, teve a ideia de entregar a ceia natalina na casa de cada um dos integrantes da família. "O medo, a empatia e a responsabilidade fizeram com que pensássemos em outra estratégia", acrescenta Fernando. Para o ato ecumênico, a tecnologia entrará em cena. "Faremos chamada de vídeo e todos ficaremos bem, com a saúde preservada", finalizou.
Cuidados necessários
O infectologista Erico Arruda adverte que o ideal era que as “festas com muitas pessoas, grandes famílias ou muitos convidados, fossem canceladas”. Contudo, ele diz ser possível manter as tradições natalinas, contanto que sejam realizadas com núcleo familiar menor e em ambientes mais amplos e ventilados.
“É importante buscar manter o distanciamento, especialmente dos idosos e manter álcool em gel sempre disponível”, completa. O especialista teme que após as tradicionais festas de fim de ano ocorra um aumento acentuado na curva de contágio do novo coronavírus, como já foi vivenciado após o período das eleições.
“É uma preocupação real. Já vimos vários outros exemplos e também observamos um relaxamento da população com as medidas de prevenção”, conclui.