Barreiras artificiais projetadas em cursos de água para a retenção e posterior uso do recurso hídrico, as barragens são estratégias de garantia de abastecimento historicamente utilizadas no Ceará. Por outro lado, comunidades que precisam ser reassentadas para dar lugar aos equipamentos ainda reivindicam dos governos estadual e federal o direito à moradia e a equipamentos públicos que garantam sua sobrevivência nos novos espaços.
Depois de mais de 10 anos, moradores de comunidades reassentadas dos municípios de Potiretama e Iracema, na região do Jaguaribe, aguardam o cumprimento das garantias prometidas após construção da Barragem do Figueiredo. Neste cenário, pelo menos 141 famílias continuam sendo acompanhadas pelo Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace). As principais pendências observadas dizem respeito à infraestrutura das residências.
Figueiredo
Apesar de a barragem ser de responsabilidade do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), uma parceria atribuiu a função de construir as novas casas e equipamentos públicos ao Idace. Na primeira semana deste ano, no entanto, representantes dos governos federal e estadual voltaram às comunidades e restabeleceram um novo prazo para concluir as demandas ainda abertas.
"O último prazo para ter concluído tudo isso era 2016", lembra a moradora do assentamento Boa Esperança Iracema, Damiana Bruno. "Após todos esses anos, o que temos de concreto é uma cisterna de placa para o acúmulo de água para beber, e energia só fomos ter quase três anos depois de estarmos morando aqui. Muitas casas que foram construídas estão deterioradas. Além disso, ainda não repassaram as terras de produção prometidas", lamenta.
A Barragem do Figueiredo foi inaugurada em junho de 2013, no município de Alto Santo. Com a obra, três comunidades precisaram ser reassentadas: São José dos Famas, que se transformou em duas vilas (Agrovila e Vila São José dos Famas); Lapa; e a Boa Esperança, dividida também em duas - Potiretama e Iracema. "Potiretama e Lapa já tiveram a terra para produção repassada, mas nós ainda não", comenta a moradora.
Em nota, o Dnocs informou que "a maioria dos itens (prometidos) foram cumpridos" e que os recursos foram repassados ao Idace, responsável pela edificação das residências e equipamentos sociais e urbanos. Ao todo, foram destinados cerca de R$ 15 milhões para aquisição de imóveis rurais e implantação de assentamentos na área.
Pendências
Após visita técnica realizada no dia 7 de janeiro deste ano, o Dnocs constatou que "permanecem pendentes a aquisição de uma propriedade rural para atendimento das comunidades de São José dos Famas e Agrovila, bem como a correção de inconformidades nas edificações e equipamentos pessoais e urbanos já implementados".
Sobre isso, o diretor técnico de Operações do Idace, Paulo Henrique Lobo, afirmou que a aquisição da propriedade rural que está faltando "encontra-se em negociação com os proprietários". Além disso, o representante destaca que "já foram adquiridos quatro imóveis rurais" e que as famílias atingidas estão em "processo de finalização das aquisições de terra para manutenção produtiva", explicou.
Castanhão
Outra área que é palco recorrente de disputas territoriais surgiu com a construção da barragem do Açude Castanhão, na década de 90. O maior reservatório do Estado trouxe esperança a milhares de famílias, mas também impactos negativos na vida de quem precisou ser reassentado. Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), pelo menos 19 comunidades foram impactadas diretamente com a construção, concluída em 2003.
"O reassentamento se localiza a 2Km de onde a gente morava. Ainda hoje, vamos lá para ver onde eram as casas. Para a gente ficar perto, foi uma briga", lembra o professor de Biologia da rede pública de Jaguaretama, José Alves da Silva. Ele, os filhos e a esposa fazem parte das cerca de 160 famílias que vivem na comunidade do Alagamar.
Em 2015, quando os moradores começaram a ir para o novo espaço, havia 104 famílias, segundo o Dnocs. Com o tempo, novos "agregados" foram construindo residências no local.
O professor conta que das promessas feitas algumas se concretizaram e outras permanecem no papel. "A escola foi construída dentro dos parâmetros que a gente pediu e um posto de saúde também foi feito. Porém, a questão da produção é muito falha. Em 2013, ainda tentamos plantar 60 hectares de goiaba, mas o acompanhamento técnico do Governo era muito ruim e acabou desestimulando os produtores", lamenta.
Ainda assim, a agricultura permanece como a principal atividade. "Teve um período que a nossa escola comprava pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Então, pelo lado do governo do Estado, nós temos esse incentivo, mas nos últimos anos, tem acontecido um distanciamento nesse sentido", lamenta. "É importante ter um acompanhamento técnico. Alguns assentados acabam até vendendo a terra por não ter nenhum amparo".
Investimentos
Em relação às famílias impactadas com a construção do Castanhão, o Dnocs informou, em nota, que "residências foram dadas para cada família, com infraestrutura, água, energia e projetos de irrigação". Além disso, o órgão garantiu que foi disponibilizada "uma assistência completa na implantação do reassentamento, tais como: escolas, igrejas, praças, ginásios e centros comunitários", ficando "todas as pendências sob responsabilidade do Dnocs sanadas".
Na contrapartida estadual, Paulo Henrique Lobo informou que o "Idace tem realizado o acompanhamento social dos beneficiários, promovendo a regularização cadastral das famílias, o reconhecimento e emissão de documentação destinada ao acesso de políticas sociais como aposentadoria, auxílio doença, salário- maternidade, crédito rural e ambientais".
Segundo ele, o órgão atua em quatro assentamentos rurais oriundos de comunidades atingidas pela barragem do Castanhão, e cinco do Figueiredo, ambas no Vale do Jaguaribe. Outras comunidades acompanhadas são os assentamentos em Jaguaretama (Lindeza), Jaguaribara (Desterro) e São João do Jaguaribe (Nova Holanda).
Apesar disso, o representante cobra mais participação das Prefeituras no atendimento aos impactados "haja vista a imperiosa demanda de reinclusão sociocultural, econômica e ambiental das famílias", explica.
Análise de Myrna Ramos, geógrafa e mestranda na Universidade Federal do Ceará (UFC)
No Ceará, nós não temos barragens de geração de energia hidrelétrica e sim de acúmulo de água, que é diferente até por conta do nosso contexto de semiárido.
Neste cenário, a partir dos projetos grandes de abastecimento de água nós temos uma conotação diferente do que existia antes, quando o proprietário da terra expulsava os camponeses. Hoje, nesses grandes projetos, é o próprio Estado que está retirando as famílias.
A política de barateamento dos projetos incluem, também, o barateamento das pessoas que foram atingidas. Por isso temos esses problemas.