“Há 15 anos, o mar estava distante quase 600 metros da minha casa. Hoje, a maré está quase banhando meu alpendre”. O relato do pescador Pedro José Bezerra que, há mais de 5 décadas mora na Praia de Barreiras, em Icapuí, litoral leste do Estado, dimensiona a mudança de cenário ocorrida na região nos últimos anos. O mar tem avançado de forma acelerada sobre as edificações. De acordo com a Defesa Civil do Município, cerca de 5 mil nativos das praias de Barreiras, Redonda, Barrinhas, Peroba e Quitéria estão sendo atingidos diretamente.
“Indiretamente, o número é ainda maior”, pontua o coordenador do órgão, Daniel Oliveira. “A economia da cidade depende do turismo e da pesca. Ambos estão sendo prejudicados com o avanço da maré”, acrescenta. Segundo a Defesa Civil, casas particulares, prédios públicos e até pousadas já foram derrubados pela força da água. Outros imóveis, ainda conforme Daniel, precisaram ser interditados e as famílias removidas para uma área segura.
Adeus casas
Alguns moradores, no entanto, se antecipam ao laudo da Defesa Civil e, por conta própria, deixam suas casas. Entre a Praia de Barreiras e Redonda, muitos são os imóveis fechados e outros com placas indicando a venda ou aluguel. Uma dessas casas está erguida ao lado do terreno onde mora Pedro José. No entanto, diante da célere mudança de cenário observado, sobretudo nos últimos 10 anos, o pescador teme que o proprietário não consiga vender o local “a tempo”. “Vendo a força da água e quanto ela tem avançado, acho que essa casa não fica em pé por muito tempo”.
Questionado quanto à regularidade da construção desses imóveis próximos à faixa de areia, Daniel Oliveira atestou que eles estão em conformidade com as leis atuais de zoneamento das dunas. “São propriedades construídas há muitos anos”, observou.
No entanto, o professor da Universidade Federal do Ceará e doutor em Ciências Marinhas Tropicais pelo Instituto de Ciências do Mar, Eduardo Lacerda, se opõe à análise de Oliveira. Para Lacerda, os problemas identificados em Icapuí podem ser explicados pela “falta de um planejamento urbano voltado para ordenamento da orla” e pela própria topografia da praia de Icapuí, plana, e que nas marés de sizígia (onde há as maiores amplitudes), permite que a água adentre ainda com mais força nesses trechos mais planos, o que é maximizado em eventos de ressacas.
Prejuízos
Para quem tem algum tipo de comércio na orla de Icapuí contabiliza, ano após ano, os prejuízos. “Aqui o movimento caiu muito”, ressalta a microempresária Maria Eugênia. Seu restaurante teve o faturamento reduzido em 15% de 2018 para 2019.
Os danos contabilizados no Município não são apenas financeiros. A assistente social Tayná Freitas concluiu, na semana passada, um estudo que aborda diferentes esferas impactadas pelo avanço do mar. O trabalho social mostra que 200 dos 246 alunos residentes na Praia de Barreiras sofreram impacto direto. A rota que o transporte escolar faz para levar e trazer esses estudantes para casa teve de ser alterada devido à destruição de uma estrada da comunidade. Com isso, o horário de início das aulas foi alterado.
Na área da saúde, o estudo mostra que, quem precisa de atendimento na policlínica do centro da cidade ou nas unidades de saúde tem encontrado dificuldade no deslocamento.
Medidas
Para tentar conter o avanço do mar, a gestão municipal construiu quatro paredes de contenção do tipo “bag wall”. O presidente do Instituto Municipal de Fiscalização e Licenciamento Ambiental (Imfla) de Icapuí, João Paulo de Sousa Rebouças, confirma que está em processo a licitação para um quinto paredão, cujo valor da obra está orçado em cerca de R$ 16 milhões. “Nos locais onde foram construídos esses muros, a comunidade ficou mais segura. Eles são feitos com pedra, cimento e lonas plásticas, que não permitem a erosão da areia”, diz.
A previsão para o início da construção da parede de contenção, no entanto, ainda é incerta. Rebouças explica que, por se tratar de uma obra cara, “o Município sozinho não tem como arcar. Então, a saída é aguardar a liberação da verba do Governo Federal”.
Diante da morosidade e incerteza do projeto, moradores da Praia de Peroba se reuniram e, por iniciativa própria, construíram uma espécie de parede de contenção a base de areia, madeira e plástico. O pescador aposentado João Batista atesta a eficácia do equipamento. “Ela (parede) segurou o (avanço do) mar. Pode colocar mais três, quatro anos para frente que essa parede vai aguentar”.
Antes de a parede ter sido erguida, o mar deixou suas marcas. Uma das ruas que dá acesso a comunidade, onde moram cerca de mil pessoas, foi completamente destruída. “Essa parede até serve como obstáculo, mas ela não detém a erosão. A lona utilizada não é apropriada para evitar que a maré volte levando areia das encostas”, concluiu João Paulo Rebouças.