O defeso da lagosta, medida protetiva que impede a pesca no período de dezembro a maio a cada ano, deixa sem trabalho cerca de oito mil pescadores artesanais no litoral cearense. Para suprir a falta de renda neste período, o Governo Federal disponibiliza o seguro-defeso, recurso pago em cinco parcelas no valor de um salário mínimo cada. No entanto, a liberação do recurso que deveria iniciar em janeiro, ainda não começou.
A demora no pagamento traz consequências graves para as famílias dos pescadores. Conforme o presidente da Federação de Colônia de Pescadores do Ceará, Raimundo Félix, o atraso se deve à morosidade na análise dos processos por parte do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). "O pescador reúne uma série de documentos e envia ao INSS para que os técnicos façam a análise, mas há poucos profissionais o que acarreta na demora da liberação do pagamento", pontua Raimundo.
O INSS explicou, por nota, que não há servidores exclusivos para o seguro-defeso. "Os requerimentos são trabalhados juntamente com as outras demandas, como benefícios previdenciários e assistenciais". Félix, entretanto, critica o modelo e sugere que o benefício seja liberado automaticamente "com base em quem recebeu nos últimos três anos", sem que seja necessário as análises. "O momento é delicado, estamos vivendo uma pandemia, uma limitação de recursos e profissionais, o governo deveria se sensibilizar e liberar o pagamento", completou.
Apesar das queixas dos pescadores, não há, segundo o INSS, prazo para o início do pagamento. "Na medida em que os processos forem analisados e concluídos, o pagamento será liberado. Não há previsão de início". Atualmente, somente na área de cobertura da Gerência de Fortaleza, há 2.800 requerimentos pendentes no INSS. Os números gerais do Estado não foram informados. Todo esse montante, segundo Raimundo Félix, está sendo vistoriado "por um único técnico".
O gerente Executivo do INSS, em Fortaleza, Francismar Lucena, confirma a informação, mas recorda que "a Previdência Social tem dois milhões de processos represados" e garante que na próxima semana vai "colocar mais dez servidores". Ainda segundo Lucena, neste período sem atuação presencial, devido ao isolamento social, os processos devem avançar.
Danos
O coordenador de Políticas Públicas do Sindicato dos Pescadores de Icapuí, Tobias Soares da Silva, frisou que há duas mil embarcações paradas no litoral em cumprimento ao período de defeso do crustáceo. "Os pescadores obedecem, cumprem a lei e passam seis meses sem pescar, mas necessitam desse dinheiro. A situação das famílias é grave e a cada dia só piora", lamentou.
Prestes a entrarem no quarto mês sem pagamento, os pescadores contabilizam os prejuízos. "Estamos devendo as mercearias, está tudo atrasado, e os comerciantes não querem mais vender pra gente. Como faremos?", questiona o pescador artesanal Adjailson Bezerra de Souza, conhecido como Jajá.
No litoral de Beberibe, a realidade é a mesma. Pescadores contam que estão sobrevivendo através de doações. "Se não fosse a generosidade de outras pessoas, a gente já estaria passando fome", consternar-se o pescador Pedro Lima. "Não estamos pedindo favor a ninguém, só queremos receber o que é nosso por direito", acrescenta Lima.
Impasse
Tobias recorda que, "mesmo diante desta situação, os pescadores não podem buscar outras alternativas de renda, pois vai contra as normas do seguro-defeso". Uma das exigências para se ter acesso ao benefício previdenciário é a dedicação exclusiva à pesca.
O pescador que requere o seguro assina uma declaração confirmando que não dispõe de outra fonte de renda e que "se dedicou à pesca das espécies e nas localidades atingidas pelo defeso, em caráter exclusivo e ininterrupto". Caso as informações relatadas não sejam condizentes com a situação real do interessado, o pescador artesanal será responsabilizado civil e criminalmente.