A pandemia afetou de forma intensa o setor cultural, reduzindo vendas e exposições. Dois artistas plásticos da zona rural de Quixelô, na região Centro-Sul cearense, Arivânio Alves, 28, e Ruy Relbquy Silva, 32, autodidatas que pintam quadros no gênero Arte Naïf, foram ainda mais atingidos e viram as vendas despencarem 90% desde abril de 2020.
Ruy Relbquy é cadeirante e enfrenta uma doença degenerativa. Quando os braços cansam, continua a pintura da tela com o pincel preso entre os dentes, ou seja, pinta com a boca. “Nessa pandemia fiquei ansioso, com muito medo, mas hoje já estou bem melhor, graças a Deus”, contou.
A crise de pânico aumentou a dificuldade de produção do artista, mas foi na arte que ele encontrou um escape. “Quando estou pintando não penso em doença e é através da minha arte que vejo o mundo de forma diferente, que encontro força para viver”.
Há três meses, após receber a primeira dose do imunizante contra a Covid-19, Ruy Relbquy foi acometido pela doença do coronavírus. “Foi fraca, fiquei me recuperando em casa mesmo e todos da minha família ficaram doentes”, contou.
“Agora já encontrei ânimo para recomeçar”
A produção média anual caiu de 20 telas para oito. Relbquy e Arivânio vão participar da terceira edição da BÏNaif – Bienal Internacional de Arte Naïf Totem Cor-Ação, que será realizada no período de 25 de setembro a 13 de novembro de 2021, no Museu Municipal de Socorro, no interior de São Paulo.
Neste ano, o artista plástico realizou um sonho. “Consegui construir o Ateliê Relbquy, ao lado da casa da minha mãe”. Antes, ele trabalhava em um quarto da casa dos pais, ao lado de uma janela, com vista para o campo e a serra de entorno do açude Orós, na localidade de Riacho do Meio. “Estou feliz”. No espaço, há obras que formam o acervo particular doadas por outros artistas.
"Uma interpretação de mundo"
Arivânio Alves entrou para o mundo das artes ainda pequeno, utilizando-se de materiais alternativos de baixo custo, como cartolina e compensados de madeira. Dedicou-se à arte Naïf. “É um gênero que utiliza partes de seu cotidiano para construir uma obra visual que é uma interpretação de mundo”.
O artista lembra que teve uma infância pobre no sítio Poço da Pedra, zona rural de Quixelô, e suas primeiras pinturas usavam pigmentos de folhas e flores esmagadas. “Na escola, conseguia lápis grafite”, disse. Nas folhas de papel, a imaginação ganhava formas. As professoras e amigos observavam e achavam que o artista autodidata levava jeito para pintura. E todos estavam certos.
Arivânio Alves já conseguiu expor um dos seus quadros em uma feira livre, em Paris, na edição Carrossel do Louvre 2017. Outros trabalhos foram selecionados e participaram da Bienal Internacional de Arte Naif Totem Cor-Ação 2017, em Socorro (SP).
Arte Naïf
O artista plástico tem se dedicado à arte arte Naïf, cujo termo está relacionado com ingênuo e pertence à pintura de artistas sem formação acadêmica sistemática. É também conhecida por arte primitiva moderna. Não se observa aplicação de técnicas de perspectiva, cores, sombra e geometria. Entretanto, é um estilo que vem ganhando desenvolvimento e espaço em galerias e mostras nacionais e regionais.
O desejo dos dois artistas é continuar participando de concursos, feiras e mostras da arte naif. A dupla está inscrita em três mostras até o fim do ano, – no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo; Bienal em Piracicaba (SP); e Unifor Plástica, em outubro próximo, em Fortaleza.
Os dois artistas não dependem exclusivamente da arte para sobreviver. Relbquy recebe um amparo da Previdência Social no valor de um salário mínimo e Arivânio Alves é professor de Matemática e Ciências na rede municipal de ensino.