A sessão de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, que pode torná-lo inelegível por oito anos, foi suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e deve retornar a partir do meio-dia desta sexta-feira (30).
Nesta quinta (29), foi realizada a terceira sessão, que foi pausada com placar de 3 votos a favor da inelegibilidade e 1 voto contra.
Na última terça-feira (27), o relator do caso, o ministro Benedito Gonçalves, tinha se pronunciado, votando pela inelegibilidade de Bolsonaro "por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação".
Já nesta quinta, o segundo ministro a votar, o cearense Raul Araújo, divergiu do relator e votou contra o uso da "minuta do golpe" no processo. O magistrado argumentou que, na reunião de Bolsonaro com embaixadores, em julho do ano passado, foram apresentados "fatos sabidamente inverídicos" e que já foram já desmentidos pelo próprio Tribunal.
Além disso, o ministro reconheceu que o evento teve caráter eleitoral, mas defendeu que os temas abordados pelo ex-presidente, como o voto impresso, poderiam ser discutidos. "Numa democracia, não há de ter limites ao direito fundamental à dúvida. Cada cidadão é livre para duvidar". Por fim, julgou "improcedente" o pedido de condenação.
Depois de Araújo, o ministro Floriano de Azevedo Marques deu início ao seu voto, que desempatou o placar com mais um favorável à condenação do ex-presidente por abuso de poder político e desvio de finalidade dos meios de comunicação do Governo. O magistrado entendeu que o encontro entre Bolsonaro e embaixadores "não se tratou de um evento inserido na agenda de relações institucionais externas brasileiras".
"O caráter eleitoral era central naquela atividade. [...] Se aproximou muito de um discurso de comício em praça do interior", pontuou, alegando que esse fato afasta a tese da defesa de que o encontro se tratou de um ato regular da presidência da República. E, diferentemente de seu antecessor na votação, ele considerou válida a inserção da "minuta do golpe" no processo e reforçou a responsabilidade que teve o ex-mandatário em utilizar a competência pública para propagar inverdades sobre o sistema eleitoral brasileiro.
Quem depois leu seu voto foi o ministro André Ramos Tavares. Também para o magistrado, houve abuso de poder político e "manifesto desvio de finalidade" dos meios de comunicação estatais no caso. Além disso, como Marques, ele discordou do ministro Raul Araújo no que diz respeito à "liberdade de expressão". "O direito fundamental à livre expressão não alberga a propagação de mentiras", afirmou. Por fim, ele acompanhou o relator do processo e votou favoravelmente à condenação de Bolsonaro.
Na sequência, o julgamento foi suspenso.
Bolsonaro ficou ausente de todas as sessões do julgamento na sede do TSE, em Brasília.
'Paranoia coletiva'
O caso gira em torno de uma reunião com diplomatas organizada por Bolsonaro no Palácio da Alvorada três meses antes de sua derrota nas urnas para Lula. Aos embaixadores, ele afirmou, sem apresentar provas, que buscava "corrigir falhas" no sistema de urnas eletrônicas com "a participação das Forças Armadas".
O ministro Gonçalves afirmou que a reunião "serviu para incitar um estado de paranoia coletiva", por meio de um "conjunto de informações falsas ou distorcidas" sobre o sistema eleitoral brasileiro.
Bolsonaro "acirrou tensões institucionais e instigou a crença de que a adulteração de resultados era uma ameaça que rondava o pleito de 2022", acrescentou Gonçalves, ressaltando que os fatos investigados foram "nocivos para o ambiente democrático" do país.
Embora alegue inocência, Bolsonaro não mostra confiança em uma absolvição. "A tendência, o que todo o mundo diz, é que eu vou me tornar inelegível", declarou, em entrevista publicada na quarta-feira (28) no jornal Folha de S. Paulo.
Consequências
O advogado Tarcísio Vieira afirmou que as provas contra seu cliente “são frágeis para uma sanção dessa magnitude” e antecipou que, em caso de condenação, irá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A inelegibilidade deixaria Bolsonaro fora das eleições presidenciais de 2026 e abriria uma disputa pela liderança da direita no país, por enquanto sem alternativas claras. Praticamente metade do eleitorado votou no ex-presidente no segundo turno das eleições de outubro.
Após a derrota, bolsonaristas radicais, convencidos de que seu líder tinha sido vítima de fraude, promoveram cortes em centenas de rodovias e acamparam em frente a quartéis militares em todo o país, pedindo uma intervenção militar.
Em 8 de janeiro, uma semana após a posse de Lula, milhares de bolsonaristas concentrados em Brasília invadiram e depredaram as sedes da Presidência, do Congresso Nacional e do STF. Na ocasião, Bolsonaro estava nos Estados Unidos, onde permaneceu por três meses, até o fim de março.
Uma condenação do TSE pode ser o primeiro de uma série de reveses judiciais para o ex-presidente, que responde a mais de dez processos administrativos no tribunal eleitoral.
Bolsonaro também é alvo de cinco investigações no STF, com penas passíveis de prisão, entre elas uma sobre seu suposto papel como autor intelectual dos ataques às sedes dos Três Poderes na capital federal.