A utilização da inteligência artificial (IA) tem sido expandida por países desenvolvidos em diversos setores, e no Brasil não é diferente. Para além do marketing, a medida vem sendo aplicada pelo Judiciário brasileiro para tentar dar celeridade a processos e diminuir litigâncias.
Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgada neste ano, mapeou que, pelo menos, 44 tribunais do País e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) utilizam algum tipo de sistema de IA, desde programas com automação simples até os mais complexos. Engana-se, inclusive, quem pensa que inteligência artificial é resumida a "ChatGPT" ou "DeepFake".
As técnicas podem ser utilizadas para elaborar ferramentas que busquem, apontem e agrupem processos com maiores chance de conciliação com base em históricos de casos semelhantes já julgados ou conciliados, métricas e estatísticas. É como exemplifica a professora universitária e juíza titular no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1), Roberta Ferme Sivolella, que também é juíza auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
"A gente tem exemplos muito interessante na Justiça do Trabalho, nos TRTs, como separação de processos por estatísticas de conciliação para saber o que vai para o Cejusc (centros de conciliação) ou não, porque não adianta você mandar um processo para o Cejusc que o percentual de conciliação é ínfimo ou quase 0", declara.
A juíza do trabalho foi uma das palestrantes do "Congresso Internacional: Os Impactos das Novas Tecnologias no Mundo do Trabalho", realizado entre essa quarta-feira (22) e sexta (24), no Hotel Vila Galé. Na ocasião, ela falou sobre inteligência artificial e os precedentes nos tribunais.
Anfitrião do evento e desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT7), Paulo Régis Botelho destaca que a Justiça do Trabalho em atuação no Ceará é uma das que já utiliza ferramentas de IA. Os sistemas buscam facilitar trâmites processuais, mas amparados pela supervisão humana.
"O Tribunal está implementando vários aspectos em relação à inteligência artificial, todos nesse intuito de facilitar a tramitação dos atos processuais. Evidentemente, ninguém fala em julgamento, em decisões, mas é um aparato para aprimorar essas decisões, porque se busca em um banco de dados muito completo", reforça
Ferramentas em uso
Dentre as ferramentas de IA em utilização no Judiciário, Roberta Sivolella ressalta o DataJud, do CNJ, que é uma base nacional de dados do Poder Judiciário, e o Athos, desenvolvido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No DataJud é possível verificar quantos processo deram entrada no Poder Judiciário, quantos estão pendentes, suspensos, arquivados e prontos para julgamentos, por exemplo. Além disso, a plataforma permite receitas e despesas por pessoal dos tribunais, grandes litigantes e metas.
Já o Sistema Athos foi desenvolvido para automação do exame de admissibilidade recursal, agregando critérios semânticos para criação de temas repetitivos da controvérsia. Além disso, segundo a Sivolella, há cerca de 111 ferramentas de IA em utilização no Poder Judiciário do Brasil.
Como outros exemplos, ela cita IAs que detectam, por meio de geolocalização, provas digitais e outras que identificam se um escritório de advocacia está tentando praticar "litigância predatória" — quando é aberto processos em massa de má-fé, na tentativa de obter precedentes por meio de situações hipotéticas.
"A gente tem ferramentas utilizadas nos centros de inteligência para, por exemplo, detectar situações de possível litigância predatória para gerir precedentes, para detectar situações de demandas repetitivas e conseguir entender o que está acontecendo nos TRTs"
ChatGPT
Apesar dos avanços, a professora universitária destaca que nem toda ação é passível de auxílio de ferramentas de IA. No caso do ChatGPT, ela não descarta a possibilidade de utilização da ferramenta como um instrumento de linguagem textual, mas não para buscas.
Ainda assim, Roberta frisa que, pessoalmente, não recomenda a utilização do ChatGPT em nenhum processo judicial pela possibilidade de interpretação confusa e de criar informações sem base de dados. Além disso, ela reforça a necessidade do olhar sensível e humano do magistrado na análise das ações.
"Como é uma situação nova e não está normatizada, tivemos algumas situações que foram verificadas. Me parece que a grande situação é que o ChatGPT não poderia ser utilizado para gerar decisões e, muito menos, sem a supervisão humana, ou para propor dados", reforçar destacando seu entendimento pessoal.
A mesma ressalva é compartilhada por Paulo Régis Botelho. Para o desembargador do TRT7, a ferramenta é vista com "preocupação".
"Em toda decisão, deve ter o contexto da sensibilidade do magistrado, de uma leitura da realidade. Então, essa modernidade tecnológica não pode surgir de uma hora para outra em detrimento desse 'sentir' do juiz. O juiz precisa sentir para julgar o processo e bem julgar o processo"
Limites
Em caso de dúvidas sobre a utilização de alguma IA, seja pelo magistrado, acusação ou defesa, Roberta recomenda seguir os princípios éticos e constitucionais para garantir o devido processo legal.
"Os limites para utilização da inteligência artificial são os limites éticos e constitucionais que a gente tem para o processo. Eu acho que a gente tem que ter sempre um olhar para a atividade humanizada; segundo, no caso do processo, para o que vai observar o devido processo legal, o contraditório, a transparência e dar um resultado isonômico e uma participação social efetiva"
"É uma linha tênue, mas, tendo essas balizas em mente, já é um grande início", acrescenta.