"Eu poderia ser uma vítima. Eu sou judia, eu frequento o sul de Israel". Historiadora, professora do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e fellow do Summer Institute for Israel Studies, da Brandeis University, Monique Sochaczewski não tem apenas uma relação acadêmica com a guerra entre Hamas e Israel — que completa uma semana neste sábado (14).
Enquanto explica os contornos políticos desta guerra — uma nova escalada de violência no conflito de mais de sete décadas entre Israel e Palestina, após ataque terrorista do grupo extremista Hamas ao território israelense —, ela fala também do impacto pessoal desta guerra. "Todo mundo, eu inclusive, conhece alguém que morreu ou que foi sequestrado ou que está ferido. Todo mundo", descreve.
O ataque do Hamas a Israel, no dia 7 de outubro, é descrito por ela como "o nosso 11 de Setembro". Um episódio que foi possível, explica ela, devido a dois pontos fundamentais: "a total falha" e "fracasso do Estado de Israel" em prever o ataque, mas também "uma eficiência" e "um planejamento muito sofisticado por parte do Hamas".
"É o nosso 11 de setembro. Foi pego na alma de uma maneira absolutamente sofisticada na crueldade”, ressalta. A reação, segundo a pesquisadora, é inevitável, mas pode acabar saindo de controle. “Tem que dar uma resposta. A questão é que tá todo mundo, do lado israelense, sentindo muita dor, sentindo muita raiva, desumanizando os palestinos e o que vai sair daí... Infelizmente, eu agora estou pedindo um milagre", afirma.
No cenário mundial, poucos são os países que podem tentar mediar uma solução para a guerra, aponta a historiadora. Dentre eles, porém, está o Brasil. Na presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), a experiência e estilo diplomático do Brasil — que possui relação tanto com Israel como com a Palestina — pode fazer com que o País seja importante para encontrar um caminho para a escalada de violência, que tem como principais vítimas civis de ambos os lados.
"A gente não pode perder de vista que são dois grupos humanos. Porque alguns se sensibilizam só com os israelenses que foram mortos de maneira brutal, outros se sensibilizam só com os palestinos que estão sendo mortos de maneira brutal. São dois grupos que estão sendo mortos de maneira brutal".
Leia a entrevista completa com a historiadora e pesquisadora do Summer Institute for Israel Studies, da Brandeis University, Monique Sochaczewski:
Antes de falarmos sobre a guerra, queria pedir para a senhora diferenciar três nomes que estão constantemente sendo utilizados e, às vezes, são citados como sinônimos: a Palestina, a Faixa de Gaza e o Hamas. O que é cada um deles e como eles se relacionam?
Elas não são a mesma coisa, mas elas podem também ser entendidas como a mesma coisa. Quando a gente fala em Palestina, a gente pensa num Estado que deveria existir desde 1948, quando houve... Logo depois da partilha da Palestina, na saída dos britânicos, era pra nascer dois estados: Israel e Palestina. Não nasceu o estado da Palestina. Entre 1948 (fundação do Estado de Israel) e 1967 (Guerra dos Seis Dias), os palestinos ficaram sem Estado nenhum. Eles viveram ou dentro de Israel ou na Cisjordânia, sob domínio jordaniano, ou em Gaza, sob domínio egípcio. Mas, desde 1967, Israel ocupa esses territórios.
Houve, há 30 anos, a ideia de que começasse a voltar a pensar num estado da Palestina, que seria a Cisjordânia e Gaza. São territórios que não são contínuos, mas quando a gente fala Palestina nesse exato momento — em vários momentos da história, são outras definições —, a gente pensa na Cisjordânia e em Gaza.
A Faixa de Gaza é um terreno entre o sul de Israel e o Egito e que dá para o mar Mediterrâneo. Uma faixa muito estreita, em que vivem cerca de 2,3 milhões de palestinos. Havia, durante um tempo, o governo da Autoridade Nacional Palestina tanto na Cisjordânia quanto em Gaza, e tinham colônias israelenses dentro de Gaza. Em 2005, o governo israelense retirou unilateralmente essas colônias. No ano seguinte, o Hamas foi eleito e depois, desde 2007, o Hamas está como o governo da Faixa de Gaza, sem eleições. Já estou entrando um pouco no Hamas, mas a Faixa de Gaza é essa parte do território da Palestina, que está sob domínio do Hamas.
O Hamas é um grupo que nasce em 1987, tem algumas conexões com a Irmandade Muçulmana, tem uma narrativa religiosa, mas também tem uma narrativa de resistência ao Estado de Israel, de não reconhecimento do Estado de Israel. (...)
Ele é um movimento social, isso é muito importante, para uma população descamisada, que não tem quase acesso a infraestrutura, eles sempre tiveram esse papel. Mas eles também são um grupo terrorista.
Há quem diga que é resistência, mas, sobretudo agora, após 7 de outubro... Degolar crianças, estuprar mulheres, molestar crianças, enfim, essas informações todas usadas, isso é tática claramente terrorista. Justamente para fazer com que haja uma reação desproporcional da outra parte.
O conflito entre Israel e a Palestina não é recente, dura mais de sete décadas. O que aconteceu agora, no dia 7 de outubro, para haver essa escalada de violência que acabou resultando na declaração de guerra?
Houve um ataque surpresa. Inacreditavelmente, pegou Israel de surpresa — essa potência tecnológica, essa potência militar. Está claramente um misto da disfuncionalidade do governo israelense, sob liderança do Benjamin Netanyahu (primeiro-ministro de Israel), que desde o começo desse ano que vem enfraquecendo, por conta da coalizão dele olhando para outras questões não essenciais para o Estado de Israel e, obviamente, os inimigos farejaram isso.
Então, essa inteligência está esfacelada, parece que o Egito teria passado informação e o governo (israelense) não levou em consideração e, ao mesmo tempo, uma eficiência, um planejamento muito sofisticado por parte do Hamas — ao que tudo indica, com o apoio iraniano — fazendo todas as ações por debaixo dos túneis subterrâneos, não usando tecnologia que fosse rastreável por parte do Estado de Israel, enfim.
Então, teve um ataque sem precedentes. Sempre teve mísseis, sempre teve foguete de vez em quando. Mas dessa vez teve rompimento da cerca com motos, com SUVs, com carros, com paragliders, com barcos. Ao que me consta, localizaram 1.500 corpos de terroristas, o número certamente, não sei, (deve ser de) 2 mil ou 3 mil infiltrações, que vieram da Faixa de Gaza para a área sul de Israel.
É muito importante frisar, porque logo nos primeiros momentos, eles passaram por quartéis, por postos militares. Houve uma reação, mataram muitos soldados e tudo mais, (mas) se o objetivo de fato fosse atentar contra os militares que representam o Estado de Israel, faz sentido na luta. Mas não, eles seguiram adiante.
Toda a região em volta de Gaza, a gente chama em hebraico de Otef Aza, o Envelope de Gaza. É uma região que tem algumas cidades e tem Kibbutz, que é uma comunidade agrícola com uma ideologia socialista, na quase totalidade eleitores da esquerda que acreditaram na paz, críticos ferrenhos da ocupação (israelense aos territórios palestinos). É muito irônico que, literalmente, muitos dos mortos e sequestrados sejam exatamente essas pessoas.
Então, é um misto de ataque surpresa com ineficiência do Estado de Israel na resposta. Essas pessoas que moram nos Kibbutz, que moram nessas cidades, reagiram com as próprias mãos. Obviamente, todo mundo tem algum treinamento militar, mas eles são civis. As casas têm um quarto medicamente fechado, alguns conseguiram ficar ali, mas mesmo assim muitos foram retirados, não conseguiram fechar a tempo.
Uma resposta muito demorada por parte do Estado de Israel e, nesse meio tempo, agora tem uma... No judaísmo, para você acessar os corpos, têm um cuidado para o enterro. Então tem um grupo de voluntários em Israel chamado Zaka, que é Zihuy Korbanot Asson (em hebraico), que é o reconhecimento das vítimas de atrocidades. E essas pessoas estão acessando os corpos.
A verdade é muito dura, ninguém quer acreditar nisso: são bebês decapitados, são crianças que foram amarradas e foram molestadas, são mulheres... Tem a história de uma mulher que tiraram um feto. Essas histórias... Isso é muito doloroso, mas isso faz parte da estratégia do terrorismo. Isso foi muito pensado, inclusive na psiquê judaica, porque é um Holocausto, é um Pogrom. É mais do que um Holocausto, é um Pogrom, como acontecia na Rússia na virada do século 19 para o 20.
(Pogrom é "todo movimento popular de violência dirigido contra uma comunidade étnica ou religiosa; carnificina ou massacre genocida organizado", segundo o dicionário. Segundo a Enciclopédia do Holocausto, Pogrom é a palavra russa que significa "causar estragos, destruir violentamente").
Então, o que é diferente nesse exato momento? Por um lado, a total falha, fracasso do Estado de Israel. Por outro lado, o grau de violência, que, por um lado, é o Hamas querendo falar 'nós, palestinos, sofremos também, vocês, judeus israelenses também precisam sofrer algo parecido', mas é mais do que isso. É exigir uma resposta violenta para que a coisa se escale. E, infelizmente, é isso que vai acontecer nesta sexta-feira, 13, na minha avaliação.
O Hamas é um grupo terrorista, como você falou, e não um Estado-nação. Isso muda algo em relação a esse conflito, a essa escalada de violência e aos métodos utilizados de um lado e de outro?
Tem um jornalista, o Thomas Friedman, ele fala que o conflito Israelo-palestino é Off Broadway da Broadway dos conflitos. Muitas coisas que a gente vê ali, depois a gente vai ver em outros lugares.
O Hamas pretende ser um Estado, ele governa a partir de um Estado, mas ele é um grupo não-estatal. Então, a gente tem justamente essa assimetria. O Estado de Israel é um Estado existente com Forças Armadas formais, absolutamente bem treinadas e o Hamas é um grupo de resistência militante que usa táticas terroristas.
Mais uma vez tem um braço de ações sociais e, em parte, muitas pessoas se recusam a chamar o Hamas de terroristas. O que pra mim depois do 7 de outubro, se você não reconhece como terrorismo... Da mesma forma que a gente tem que criticar o que Israel faz contra os territórios palestinos, em especial Gaza. Eu acho que, enfim, falta humanidade aí.
É uma guerra assimétrica. E é muito difícil. Quer dizer, como é que você reage? O grande temor agora é que 400 mil reservistas israelenses (foram) convocados e eles devem entrar na Faixa de Gaza. Eu nunca vi, o país (Israel) está absolutamente unido, o país estava cindido ao meio. Todo mundo, eu inclusive, conhece alguém que morreu ou que foi sequestrado ou que está ferido. Todo mundo. Eu conheço vários. Inclusive vários amigos e filhos de amigos, soldados, que estão convocados.
Então, você vai entrar ali e como é que você age? No primeiro momento, obviamente, tem a população civil que é inocente, que sofre tanto na mão do Hamas. Tem os reféns, tem 130 — não só israelenses, mas internacionais, pessoas que não são israelenses, entre os reféns. E também, se ocupa, como é que sai? Tem projeto? Eu não estou vendo ninguém falar qual é o projeto de saída. A gente viu isso em outras guerras mundo afora. Então, esses soldados o que eles vão ver? O que eles vão fazer?
Na minha opinião, o objetivo era exatamente esse: levar a uma escalada sem precedentes e que faça com que inviabilize a normalização de relações de Israel com a Arábia Saudita, que era o que estava andando também, por trás, na geopolítica mais ampla. E que o mundo árabe, pessoas da esquerda, pessoas que são militantes da causa palestina vão para as ruas relembrando, não esquecendo o sofrimento dos palestinos. Então, são várias camadas do conflito, mas é uma guerra assimétrica.
Existem informações sobre uso de fósforo branco e mesmo falas de que não existiriam regras para os soldados israelenses em Gaza, com a perspectiva de entrar nesse território. O que a gente pode projetar de próximos passos para a guerra? Porque temos visto relatos de pessoas que vivem em Gaza e estão apavoradas, inclusive brasileiras.
A guerra é bidimensional. Tem o conflito propriamente dito e tem as redes sociais — o X, antigo Twitter, também faz parte. Então, tem guerra de informação. Parece que a Human Right Watch já relatou o uso de fósforo branco. Eu não tenho essa informação.
Obviamente, os palestinos, em sua grande maioria são civis em Gaza, cidadãos já em condições horrorosas, já estão agora em cerco, porque não tem energia, não tem água, enfim, parece que isso faz parte de um primeiro movimento (israelense). Até porque o governo israelense está se repensando, se reorganizando para ver como vai ser essa reação.
Tem que ter uma reação, é fato. Não dá, isso é o nosso — e eu também sou israelense, por isso eu falo o nosso —, isso também é o nosso 11 de setembro. Foi pego na alma de uma maneira absolutamente sofisticada na crueldade. Tem que dar uma resposta. A questão é que tá todo mundo sentindo, do lado israelense, sentindo muita dor, sentindo muita raiva, desumanizando os palestinos e o que vai sair daí... Infelizmente, eu agora estou realmente pedindo um milagre.
Eu não consigo ver ninguém na arena internacional que tem alguma capacidade. Eu achava que talvez o Brasil, no Conselho de Segurança da ONU, e tem as duas comunidades (israelense e palestina). Acho que o Brasil está de parabéns, o Governo Lula, de retirar os seus nacionais. Já retirou muitos de Israel — Israel tem muitos peregrinos cristãos, evangélicos e católicos, que vão para lá, além de cidadãos que quiseram sair. Foi o primeiro país a organizar de uma maneira muito eficiente. (...) Agora está negociando para tirar os 20 brasileiros de Gaza. Tem a questão dos reféns brasileiros — esses, a gente não sabe se ainda estão vivos, o que que vai acontecer.
Infelizmente, eu adoraria ser otimista. É muito deprimente. Eu fico chorando muitas vezes. Primeiro, porque eu poderia ser uma vítima. Eu sou judia, eu frequento o sul de Israel, até porque tem... Tinham, agora morreram muitos esquerdistas, aqueles que acreditavam no diálogo. Realmente, eu acho que a esquerda, qualquer capacidade dentro do lado israelense, de tentar negociar, foi morto. E também acho que isso fazia parte do objetivo.
Como fica agora? É possível acreditar nesse diálogo?
A gente não pode perder de vista que são dois grupos humanos. Porque alguns se sensibilizam só com os israelenses que foram mortos de maneira brutal, outros se sensibilizam só com os palestinos que estão sendo mortos de maneira brutal. São dois grupos que estão sendo mortos de maneira brutal.
São dois nacionalismos que fazem sentido. Não adianta, um não vai sumir porque o outro quer que suma. A existência do Estado de Israel é legítima, reconhecida pela ONU. O Brasil teve um papel importante na partilha da Palestina que levou a isso. Israel é um Estado que tem relações, é um Estado que, mesmo com tantas guerras, dá muito para o mundo. Pega o número de prêmios Nobel, pega o número de historiadores que nos fazem pensar, como Yuval Noah Harari, as universidades israelenses são de ponta, compartilham muito conhecimento com o Brasil na área agrícola, tecnológica e tudo mais.
Da mesma forma, o estado palestino, que não nasceu em 1948 — e eu recomendo que os leitores tentem entender também porquê não aconteceu — é um Estado legítimo, que merece ser criado, precisa ser criado, não adianta. Os israelenses estão muito poderosos, acham que é gestão de conflito, que acabou esse problema.
Não, eles estão ali, eles estão sofrendo, eles merecem ter um Estado para que eles possam florescer e ter toda a capacidade intelectual, humana. A gente teve Edward Said — que só nasceu na Palestina e fez a vida dele toda no Egito e depois nos Estados Unidos — que deixa um pouco dessa potencialidade. Tem cineastas, têm poetas.
Na minha opinião — o meu lado "You may say I'm a dreamer" — é que tem que ter dois Estados para ontem. E não pode, ainda mais aqui do Brasil, em especial à esquerda — é no campo da esquerda que eu claramente me encontro — tem que entender que são seres humanos. Judeus são seres humanos, que o sionismo não é palavrão e que Israel é um Estado legítimo. Da mesma forma que a Palestina, a luta dos palestinos, o sofrimento dos palestinos é legítimo.
Essa é a luta que eu vou continuar, mas fico com medo de que muitas pessoas inflem ainda mais a raiva e que possa ter impacto inclusive em comunidades judaicas e muçulmanas mundo afora. Esse é o problema e já está acontecendo.
O conflito entre israelenses e palestinos é longo e remonta a quando o estado de Israel foi criado. Qual é esse histórico? Como chegamos até a guerra?
Quando entra em 1948 e em 1967, que não nasceu o Estado palestino e a Cisjordânia ficou sob domínio jordaniano e Gaza sob domínio egípcio. Os palestinos que ficaram dentro de Israel ganharam cidadania israelense, eles são palestinos-israelenses. A gente tem beduínos no sul de Israel, tem drusos no norte de Israel e tem muitos muçulmanos e alguns cristãos. Então, 20% da população israelense ainda hoje é palestino-israelense ou árabe-israelense, eles usam vários denominações.
Nesse período da ocupação da Jordânia foi criado, um pouco antes, um grupo chamado OLP, Organização pela Libertação da Palestina. Depois da guerra de 1967, eles passam a se arvorar ser os defensores da causa da libertação da Palestina na diáspora. Primeiro na Jordânia, depois no Líbano, depois na Tunísia.
Israel ocupando diretamente, Israel criando colônias. Isso vai ser um problema: naqueles territórios que são previstos para o estado palestino foram criadas colônias, os números são incertos, mas cerca de 400 mil israelenses vivem — parecem condomínio — nos territórios dos palestinos, foram já se complexificando. (...) Quando houve os acordos de Oslo (em 1993)... Aquele acordo, aquele aperto de mão — de duas mãos cheias de sangue — muito simbólico do Yasser Arafat (presidente da ALP, na época) e do Isaac Rabin (primeiro-ministro de Israel, na época) — o Rabin pagou com essa vida, inclusive, por isso — houve todo um projeto para a tentativa de construção desse próprio estado palestino por várias etapas.
Então, Arafat volta para Palestina, sobretudo para a Cisjordânia, e vai ser a ANT, a Autoridade Nacional Palestina. A ideia é que seriam fases, territórios para que se avançasse na construção desse estado. Área A totalmente Palestina, (...) área B compartilhada e área C é a área totalmente dominada por Israel, sobretudo perto da fronteira. Enfim, complicado, ninguém quis.
O Hamas foi criado em 1987, mas ele ganha visibilidade sobretudo nesse período (dos acordos de paz de Oslo), dele ser... Da mesma forma que um judeu matou Rabin para que ele não levasse adiante esse acordo de paz, esse processo de paz, o Hamas fez, naquela época, a Intifada da explosões. (...) Os ataques terroristas que mostravam que os palestinos talvez não quisessem esse acordo de paz.
(...) Com todos os problemas do estado de Israel, foram feitas ações ali que poderiam ser, quem sabe, talvez já começasse um Estado para os palestinos, mas a resposta foi, em grande medida, violenta, sobretudo pelo Hamas. Mas também é muito dramático, porque a Autoridade Nacional Palestina... O Arafat morreu em 2004. Desde a morte dele, quem está lá é o Mahmoud Abbas, que é um senhor de quase 90 anos (87 anos), que não pensou a sucessão, é tido como é corrupto, é tido como ineficiente e que, depois, reconhece o Estado de Israel e é humilhado.
Então, como é que os palestinos ficam? Tem um grupo que reconhece Israel, mas é humilhado, as colônias continuam ali, a coisa não vai adiante. Por outro lado, tem outro grupo que não reconhece de jeito nenhum, faz terrorismo e o Estado de Israel reage de maneira desproporcional.
(...) Quando os palestinos voltam para os seus territórios e começam a ter essas duas narrativas do que é que poderia ser seu alto governo, a coisa implode também.
O que precisa ser resolvido?
(Um dos problemas hoje, quer dizer, qual é a solução do Estado palestino pra além de parar de guerrear? Tem alguns itens muito importantes. Um (ponto) é a questão dos das colônias (israelenses em territórios palestinos). O que vai fazer? Vai voltar a fazer com que essas pessoas voltem para o território israelense ou elas vão ter que aprender a viver dentro de um estado palestino? Os dois são nitroglicerina pura.
O outro é o status de Jerusalém. Para os israelenses. Jerusalém é a capital. Do mundo todo, as embaixadas ficam em Tel Aviv, há 40 minutos de distância, mas toda a estrutura de estado israelense — o parlamento, a casa do primeiro-ministro, a Suprema Corte, o Museu do Holocausto e tudo o que é importante para simbolizar esse novo estado que nasceu fica em Jerusalém, mas em Jerusalém Nova.
A ideia é que tenha a Jerusalém oriental também, a capital para os palestinos. Mas, historicamente, também tem ocupações na Jerusalém oriental. Então, o status de Jerusalém e o que a gente chama de Monte do Templo e eles chamam de Esplanada das Mesquitas, é um outro tópico de disputa.
O outro tópico de disputa muito grande são os refugiados palestino. Na guerra de 1948, cerca de 700 mil palestinos foram se refugiar em outros lugares do mundo. Hoje, em 2023, a gente tem uma agência especial da ONU só para esses palestinos.
A gente tem a ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) que é para todos os outros refugiados do mundo, mas os refugiados palestinos têm uma agência específica específica, chamada UNRWA (Agência de Socorro e Obras Públicas das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos no Oriente Próximo), e tem cerca de 6 milhões de pessoas que dizem que são refugiados palestinos, às vezes é a quinta geração. Se voltar esses refugiados para o Estado da Palestina vai ter um problema sério demográfico.
Talvez esses sejam os três principais problemas. Se a gente acalma, finge que tem adultos no recinto e que há algum tipo de negociação. Como vai lidar com os colonos, qual o status de Jerusalém e como vai ser a questão dos refugiados palestinos são problemas imediatos.
Você citou antes a aproximação entre Israel e Arábia Saudita. Como é que essa guerra entre Hamas e Israel entra num contexto de Oriente Médio, que já é muito difícil e com muito tensionamento?
Nos últimos anos, sobretudo com a gestão do Benjamin Netanyahu nos vários governos dele em Israel, ele começou a vir com uma narrativa muito forte de que não tinha que conversar com os palestinos, os palestinos estavam enfraquecidos e que era gestão do conflito. Então tinha um conflito aqui, outro ali, mas que eles chamam de "mowing the grass", aparar a grama. Isso ficou muito uma mentalidade de governo israelense, de não vamos encarar o elefante na sala, vamos tentar olhar para a região mais amplamente.
Israel já tem um acordo de paz com o Egito, desde o final dos anos 1970, importantíssimo. Tem um acordo de paz com a Jordânia, importantíssimo também, desde 1994. Esses países fronteiriços e que tiveram guerra, mas começou, também com Netanyahu na gestão (de Donald) Trump (ex-presidente dos Estados Unidos), a normalização de Israel, de relações que já existiam por trás dos panos há muito tempo, sobretudo com os países do Golfo. Com Emirados Árabes, Bahrein, Marrocos também. Tem cerca de 700 mil israelenses que ou são marroquinos ou são de origem marroquina, é o país árabe que ainda tem comunidade judaica, com cerca de 3 mil (judeus). Também o Sudão.
É óbvio que a Arábia Saudita deu o aval. Não tem no Golfo, como agir sem ter algum aval da Arábia Saudita. Mas o que estava aparecendo, era isso: que os próprios países do Golfo já estavam de saco cheio dos palestinos, até porque eles estavam se associando ao Irã em articulações regionais, que é um arqui-inimigo de ambos. O inimigo do meu inimigo é meu amigo. O Irã é arqui-inimigo da Arábia Saudita, eles disputam regionalmente, e também de Israel. Parecia que estava avançando (uma aproximação entre Arábia Saudita e Israel) desde o ano passado, quando (Joe) Biden (atual presidente dos EUA) foi para o Oriente Médio.
Eu nunca acreditei, até porque o Rei Salman ainda está vivo, o rei da Arábia Saudita. A Arábia Saudita tem cidades sagradas do Islã, ela tem muita importância simbólica. A Palestina é a terceira cidade sagrada do Islã, com Jerusalém. O rei Salman sempre foi um campeão da causa Palestina. Eu sempre achei que teria que esperar ele morrer, pra ir avançar.
Na prática, Israel e a Arábia Saudita... Israel usa espaço aéreo saudita, eles têm projetos em comum na área tecnológica — tem uma cidade chamada Neon, que é uma cidade futurista que tem tecnologia israelense. Mas parecia que, de fato, nas últimas semanas, estaria se avançando essa normalização com o aval dos Estados Unidos. Para os palestinos seria uma porrada. Quer dizer, 'não está dando valor para a minha luta', 'está achando que pode fazer qualquer no Oriente Médio sem me levar em consideração?' 'O mundo árabe está normalizando Israel?' Então é esse tipo de ação (do Hamas), o timing foi com esse(objetivo) também.
O Brasil está agora no comando do Conselho de Segurança da ONU, com essa proposta de corredor humanitário. Como você avalia essa liderança do Brasil? E como está a atuação do Brasil na diplomacia em meio a esta guerra?
Nesse contexto agora da crise, o presidente Lula se recuperando de operações, fez tudo o que deveria para a questão dos nacionais. No Conselho de Segurança da ONU, o Brasil com a presidência, com diplomatas absolutamente qualificados e voltando para um espaço que é nosso, do multilateralismo, vejo que que tentam falar, mas tem veto, tem agendas ali por trás... Não sei o quanto isso poderia ir adiante.
Eu confesso que, de tudo que eu estudo de Oriente Médio, há muito tempo, eu vejo o Brasil como um dos poucos países com capacidade, de fato, de falar para os dois campos. Tem 14 mil brasileiros que vivem em Israel e 6 mil brasileiros que vivem na Palestina. Tem comunidades de ambos os grupos aqui. O Brasil tem um histórico de equidistância. Mesmo quando o Governo Lula anterior foi mais à esquerda, nunca rompeu com Israel. Sempre teve esse equilíbrio.
De todos esses países do mundo... Talvez a América Latina poderia se unir e trazer uma voz única, até porque tem essas comunidades aqui. No meu pedido por milagre, eu realmente acho que é daqui que pode sair alguma coisa. Eu não vejo... Os Estados Unidos e o Ocidente estão totalmente imbricados. Eles também têm a guerra da Ucrânia, que é um outro item muito importante. O Irã está por trás. (...) Eu tenho muito medo do papel que a Rússia tem nisso tudo. Eu acho que o Brasil poderia e eu torço para que tenha.