Há quase 63 anos, o então presidente da República do Brasil, Juscelino Kubitschek (JK), desembarcava no Ceará em meio a uma tragédia. Depois de tantas vezes tomado pela estiagem, o Vale do Jaguaribe foi varrido pela água. Três dias antes daquele 29 de março de 1960, a barragem do Açude Orós havia se rompido, deixando vítimas e desabrigados no Estado.
JK desembarcou na Base Aérea de Fortaleza e seguiu para um sobrevoo por todo o Vale do Jaguaribe. O ato marcou o auge da força-tarefa federal para garantir assistência às vítimas A visita também foi usada para atrair doações para os desabrigados.
A relação entre o então presidente e o reservatório cearense já vinha de antes, tanto que a obra virou o principal símbolo do legado de JK para o Ceará — apesar da tragédia na construção. Os trabalhos no canteiro de obras só ganharam força durante o governo do então presidente. Além disso, foi o próprio JK que inaugurou a barragem do Açude, cumprindo uma promessa que fez durante a visita ao Estado em março de 1960.
O legado de JK no Açude Orós
As análises para a construção de um açude no Vale do Jaguaribe começaram ainda no Brasil Império, já os primeiros passos da construção só foram dados no governo de Epitácio Pessoa, entre 1919 e 1922. Contudo, os trabalhos efetivamente ganharam forma em 1958, sob ordens de Juscelino Kubitschek.
“Desde o século passado e nas primeiras décadas da República, a barragem do Boqueirão do Orós já era comentada. Um anteprojeto neste sentido foi concluído, mas destruído em um incêndio em 1912”, narra reportagem de 4 de janeiro de 1986 do Diário do Nordeste sobre os 25 anos após a inauguração do açude.
Em 1919, as obras foram paralisadas por razões técnicas. “Em 1924, uma excepcional enchente extravasou o dique de desvio e destruiu parte das instalações e obras já iniciadas, seguiram-se a isso, ordens de um corte drástico nas verbas da Inspetoria de Fomentos e Obras Contra as Secas - IFOCS, antiga sigla do DNOCS”, segue a reportagem.
Em 1932, nova investida de recursos federais, mas sem sucesso. Em 1957, foi criado um novo anteprojeto para uma barragem em arco, com fundação sobre rocha. “Em outubro de 1958 foram escavadas as fundações, ficando prontas para receber o maciço previsto no projeto, tão logo cessassem as chuvas”, descreve a reportagem indicando, a partir dali, a retomada efetiva das obras.
O rompimento da barragem
Em 1960, quando as obras estavam a pleno vapor no Governo JK, as chuvas ganharam força no Ceará em março, chegando a comprometer o maciço em construção. Já nas semanas que antecederam a tragédias, os engenheiros previam o rompimento e tentavam minimizar os estragos.
Ao mesmo tempo, os governos municipais, estadual e federal se mobilizaram para avisar os cearenses do Vale do Jaguaribe sobre os riscos de rompimento, orientando a população que buscasse abrigo em lugares altos. Os avisos eram dados por caminhoneiros, viajantes, radialistas e oficiais de polícia. Agentes públicos também ficaram encarregados de arremessar, de aviões, panfletos para comunidades mais distantes
“Com certeza do desastre, o engenheiro pedia através do rádio que as populações do vale jaguaribano procurassem um lugar seguro para se abrigarem, pois sabia a extensão dos danos que o desastre poderia causar aos, na época, 150 mil habitantes do Vale”, narra reportagem do Diário do Nordeste de 4 de janeiro de 1986, relembrando a tragédia.
Até que, no início da madrugada do dia 26 de março de 1960, às 0h17, o Orós atingiu 712 milhões de metros cúbicos d'água e a chuva continuava a cair, provocando o rompimento de parte da estrutura.
“Os dois mil homens que trabalhavam na tentativa de aumentar o nível da parede da barragem, receberam ordem de parar (...) todo o esforço para salvar o Orós do arrombamento foi em vão”
Após o rompimento, as águas saíram carregando estradas, plantações, animais e pessoas. Até hoje, não há números oficiais sobre a quantidade de vítimas. O número de desabrigados, no entanto, chegou a casa dos milhares.
Visita de JK
Três dias depois, o presidente chegou ao Ceará para sobrevoar a área atingida. Naquele momento, agentes públicos também enviavam insumos para a população atingida. JK fez promessas aos cearenses: disse que auxiliaria na reconstrução das áreas atingidas e concluiria o açude o quanto antes.
“O presidente Juscelino Kubitschek esteve no Ceará três dias depois com o fim de visitar as vítimas das inundações e ao chegar a Brasília autorizou a imediata reconstrução da barragem e pagamento de indenizações pelos prejuízos causados”, narrou reportagem do Diário do Nordeste anos depois.
Logo após o rompimento e a redução das chuvas, os trabalhos foram retomados em Orós. “O bom desempenho na execução da obra permitiu, tão logo o tempo melhorou, o início da sua reconstrução, com o aproveitamento total e seguro do que restou da barragem, cujo coroamento foi atingido em novembro do mesmo ano, e inaugurado a 6 de janeiro de 1961”, segue o relato.
Inauguração do Açude
Dez meses após a tragédia, JK voltou ao Ceará, dessa vez para cumprir efetivamente uma das promessas e inaugurar o Açude Orós. O então presidente foi recebido por uma multidão na cidade, desfilou em carro aberto, discursou para a população e viu uma estátua sua ser instalada ao lado da barragem.
“Em seis de janeiro de 1961, apenas 10 meses após o rompimento da barragem, o açude Orós foi inaugurado, com capacidade acumuladora para quatro bilhões de metros cúbicos de água”, contou matéria do Diário do Nordeste.