O tensionamento das relações entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tem provocado o fenômeno crescente de pedidos de impeachment de ministros da instância máxima da Justiça brasileira. Com pelo menos 11 ações do tipo protocoladas no Senado Federal em 2021, a novidade é que a colisão entre Executivo e Judiciário ganha contornos oficiais, após o pedido partir do próprio presidente da República, com alvo no ministro Alexandre de Moraes.
Para especialistas, a ação terá efeitos políticos, mas não práticos, com possibilidade praticamente inexistente de andamento no Congresso. Apesar de a Constituição Federal prever, em seu Artigo 52, competência para a câmara alta processar e julgar ministros do STF por eventuais crimes de responsabilidade, nunca um processo de impedimento teve continuidade no Brasil, abrindo possibilidade para o afastamento de um integrante da Suprema Corte.
Ao atravessar organismos de controle que, por atribuição, podem e devem fiscalizar os ministros sem que se chegue ao ponto crítico de um pedido de impeachment, Bolsonaro tende apenas a criar ainda mais desgaste com o Poder Judiciário, também movimentando, por outro lado, sua base de apoiadores em torno do tema
Alexandre de Moraes
Levado à condição de desafeto de Bolsonaro e aliados devido à sua atuação em inquéritos como o dos “atos antidemocráticos” e o das “fake news”, este último em que o próprio presidente é investigado, Moraes é, sozinho, visado em sete pedidos de afastamento. Além de Bolsonaro, assinam outras petições, por exemplo, o senador Jorge Kajuru (Podemos) e o presidente do PTB, Roberto Jefferson, preso no último dia 13 por decisão do ministro relativa a ameaças à democracia feitas pelo ex-deputado.
Existem, ainda, todas deste ano, ações contra os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Carmen Lúcia, além de um curioso pedido de impeachment contra todos os 11 ministros do STF, assinado pela Associação Nacional dos Bacharéis em Direito (ANB), sediada no Rio Grande do Sul. Em comum, todos os pedidos trazem demonstrações de repúdio a decisões do Supremo que bateram de frente com pretensões do Governo Bolsonaro ou levaram a operações de busca e apreensão e até prisão de aliados.
Desgaste crescente
Professor do doutorado em Direito Político na Ordem Constitucional da Universidade Federal do Ceará (UFC), Felipe Braga não vê possibilidade de andamento do processo a partir do pedido de Bolsonaro, para ele, apenas mais um artifício usado pelo presidente para “mudar o foco” dos objetos de desgaste do Governo, como a CPI da Covid-19.
Segundo Felipe, o próprio Supremo pode dar uma “resposta jurídica” à ação, caso ela avance, o que não deve acontecer. “Os presidentes da Câmara e do Senado já anunciaram que esse tipo de proposta não vai ter seguimento, não vai ser nem levada à apreciação de plenário, então vai ficar muito mais em um desgaste do presidente da República”, prevê o jurista.
Felipe Braga vê “de modo negativo” o pedido de impeachment por parte do presidente, que, segundo ele, deveria ser o principal agente a zelar pela harmonia entre os poderes indicada pela Constituição, que também prevê mecanismos de controle do STF. “Se ele (o ministro) errou, então que seja providenciado um recurso dentro do processo em que ele errou, que seja feita uma denúncia ao Ministério Público por suspeição, dentre outras questões, mas um pedido de impeachment é algo muito grave e traz uma instabilidade política para o País”, avalia.
Conflito entre poderes
Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da UFC, Cleyton Monte afirma que a tentativa de controle do ordenamento jurídico é comum a governos com recente ascensão do que ele chama de “extrema-direita populista”, citando, além do Brasil, países como Hungria e Turquia.
Para o professor, “o Judiciário é o único poder que, de fato, o bolsonarismo não consegue controlar”. “Ele (Bolsonaro) pode fazer um acordo com o Congresso Nacional, com os partidos do Centrão, ele pode aparelhar o Executivo, ele pode até indicar um ministro para o STF, mas ele não pode controlar todas as instâncias do Judiciário. Por quê? Porque o Judiciário, muitas vezes, é o último guardião das instituições, é o poder que consegue ser mais fechado às investidas do Executivo e suas ações autoritárias”, analisa.
Apesar da ínfima possibilidade de andamento do processo, Cleyton aponta para mais um ato de mobilização das bases de Bolsonaro. “Ele quer sinalizar para o seu grupo mais próximo, esse grupo mais radical, que adere com mais facilidade ao discurso do presidente, que ele está lutando contra o sistema. Esse discurso ficou muito falho no Congresso Nacional, porque ele fez uma aliança com o Centrão. Não tem como mais o Bolsonaro dizer que está lutando contra o sistema”, conclui o pesquisador.