Um dia depois do desabamento do Edifício Andrea, no bairro Meireles, a maioria dos vereadores de Fortaleza evitou falar sobre uma saída para os impasses que envolvem a aplicação da Lei de Inspeção Predial, aprovada pela Câmara em 2012, ou mesmo outras propostas legislativas que venham a atuar no problema. O momento, defendem os parlamentares, é de solidariedade às vítimas, tanto que suspenderam a sessão de ontem. Já na Assembleia Legislativa, a tragédia gerou repercussão entre deputados na tribuna.
O debate sobre a aplicação da Lei de Inspeção Predial em Fortaleza voltou à tona de novo, neste ano, após o segundo desabamento de um imóvel na Capital. Em junho, outro prédio, no bairro Maraponga, desmoronou parcialmente. A legislação, que obriga edificações públicas e privadas a passarem por vistoria técnica, periodicamente, foi regulamentada pelo prefeito, em 2015, no entanto, ainda não surte efeitos práticos.
Os altos custos para colocar em prática a legislação, que recairiam sobre os proprietários dos imóveis, são um dos empecilhos. Além do gasto para contratação de um engenheiro, que iria emitir um Certificado de Inspeção Predial (CIP), o decreto de regulamentação da lei exige um certificado do Corpo de Bombeiros. Outro ponto colocado por interlocutores da gestão municipal, que contribuiria para adiar a execução da lei, seria a pouca quantidade de técnicos.
Em entrevista à imprensa no local do desabamento do Edifício Andrea, o prefeito Roberto Cláudio (PDT) reforçou que a inspeção predial não precisa ser lei, já que é responsabilidade de todos. “O mais importante papel da Prefeitura é garantir que as obras tenham tido licença, alvará e Habite-se (Certificado de Conclusão de Edificação), e entregá-los sob condições adequadas. Só dar o Habite-se, o alvará, para quem, de fato, cumpriu as suas responsabilidades”.
Documento
O Habite-se é um documento que atesta que a obra foi executada segundo o projeto aprovado no Alvará de Construção e autoriza a utilização da edificação. Enquanto esse impasse não é resolvido, uma das perguntas que se faz é: como o Poder Legislativo pode ajudar a destravar empecilhos da lei?
Publicamente, os vereadores estão evitando fazer esse debate. Na Câmara Municipal, a sessão de ontem (16) foi suspensa pelo segundo dia, conforme os vereadores, em solidariedade às vítimas da tragédia. Há uma expectativa de que os trabalhos no plenário sejam retomados hoje.
De antemão, o vice-presidente da Câmara, vereador Adail Júnior (PDT), da base aliada do prefeito, opina que, por enquanto, não é momento para discussão da Lei de Inspeção Predial. “A Casa pode discutir, e o Poder Executivo está de portas abertas, mas não é o momento agora, e o prefeito está voltado para fiscalizar. Já existe bastante lei, vamos tentar emplacar o que está aí. Não vejo necessidade de fazer novas leis”.
Debate
Já o vereador Sargento Reginauro (sem partido), que faz oposição a Roberto Cláudio, concorda que o momento é delicado para levantar o debate, mas defende que a Câmara deve cobrar. “O papel da Câmara é fiscalizar o Poder Executivo. Se a lei foi sancionada, não podemos, simplesmente, silenciar”.
Na Assembleia Legislativa, a tragédia também repercutiu entre deputados em plenário. Em todos os pronunciamentos, parlamentares trataram como prioridade a assistência às vítimas e o apoio aos trabalhos de resgate. Danniel Oliveira (MDB) foi o primeiro. Para ele, nem sociedade nem poder público podem se eximir de responsabilidades.
“É preciso ter acompanhamento claro, enérgico, do poder público, para se evitar situações como essa. Mas, antes de tudo isso, é preciso também que a sociedade possa vistoriar o seu prédio. Vistoriar, denunciar, tentar buscar em reuniões de condomínio, ou até mesmo familiares, meios que evitem que tragédias como essa que estamos vivendo possam se repetir”, disse.
Aparteando o colega, Queiroz Filho (PDT) relembrou outros casos recentes de desabamentos em Fortaleza, como o do prédio da Maraponga, no início de junho, e o da varanda no Meireles, em março de 2015, episódio que deixou um operário morto. Ele destacou negligências particulares.
Responsabilidade
“Os poderes públicos não podem ter responsabilidade também sobre a propriedade privada, sobre a manutenção da propriedade privada”, alertou. Queiroz, sem citar nomes, também criticou quem tenha “politizado um assunto de vida humana”. “Se não for para ajudar, não vá para aparecer, porque é inadmissível, em dias como hoje, as pessoas querendo surfar na tragédia dos outros”, criticou.
Na esfera estadual, o líder do Governo na Assembleia, deputado Júlio César Filho (Cidadania), ressaltou que a prioridade é a elucidação das causas e responsabilidades pelo ocorrido. “O governador já determinou à Polícia Civil que inicie essas investigações do caso”, informou.
Inspeções prediais em pauta no Senado
Enquanto em âmbito local parlamentares pregam cautela no debate, no Congresso Nacional, tramita Projeto de Lei Complementar (PLC 31/2014) que estabelece a Política Nacional de Manutenção Predial e torna obrigatória inspeções técnicas visuais e periódicas em edificações no País. De acordo com o texto, a obrigatoriedade se estende, ainda, a obras inacabadas ou abandonadas.
A proposta, que determina os alvos da vistoria e o tempo mínimo para que elas ocorram, foi apresentada pelo deputado federal Augusto Coutinho (Solidariedade-PE), no ano de 2012, e a Câmara dos Deputados aprovou a matéria no fim de 2013. Em 2014, o projeto foi encaminhado ao Senado, onde aguarda, desde então, apreciação pelos senadores.
Pela última etapa de tramitação, que foi em junho deste ano, o texto ainda se encontra na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sob a relatoria do senador Márcio Bittar (MDB/AC).
Segundo o autor da proposta, os Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia (Creas), órgãos que seriam responsáveis pela realização das vistorias têm se mostrado favoráveis à proposta, mas o texto enfrenta resistência de outros setores. Na última terça-feira (15), Coutinho foi ao Senado conversar com os senadores sobre o texto e pediu celeridade à tramitação da matéria.
“Uma vez aprovado, se converte em um dos maiores avanços em termos de engenharia e conservação predial do Brasil, obrigando inclusive os governos a reverem as políticas conservação de edificações históricas”, ressaltou.