Instituições se mobilizam contra 'fake news' em 2020

Enquanto o Legislativo e o Judiciário anunciam ações para fazer frente ao fenômeno de propagação da desinformação, analistas avaliam caminhos que possam ir além de discursos

A disseminação de desinformação é uma marca das eleições de 2018 no Brasil. As "fake news" se alastraram com roupagens diversas: de ofensas pessoais contra candidatos e seus familiares a denúncias de fraude no processo eleitoral. Agora, o Poder Público imprime uma corrida intensa para combater o fenômeno e conter a proliferação de notícias falsas nas eleições municipais de 2020.

Na última semana, o Congresso Nacional instalou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar as "fake news". Dias antes, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou o Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições 2020. Isso acontece em meio a uma série de outras iniciativas de combate da sociedade civil e a investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Ministério Público.

O advogado e ex-presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, Moisés Pessuti, ressalta que é importante delimitar o que, efetivamente, é uma "fake news". Segundo ele, há formas diversas de se criar conteúdo falso: desde publicações completamente fabricadas para espalhar um boato a textos com falsas conexões - que trazem títulos apelativos que não condizem com o conteúdo ou utilizam contexto real para incluir nele uma informação falsa.

"Dentre esses conceitos, a 'fake news' é especificamente o material comprovadamente falso ou enganador, divulgado para obter vantagem econômica ou política ou para enganar o público, o que é suscetível de causar um prejuízo", diz.

É a sensação de descontrole do problema e a percepção dos prejuízos que alimentam as articulações contra a desinformação em massa. No Congresso, a Comissão de Inquérito composta por 15 deputados e 15 senadores terá 180 dias para investigar a criação de perfis falsos e ataques cibernéticos para afetar o pleito do ano passado.

Controvérsias

Apesar da urgência do tema, a instalação da CPMI foi controversa. O deputado Filipe Barros (PSL-PR) chegou a entrar com mandado de segurança no STF contra a investigação, mas o pedido foi negado. Para o deputado, a CPMI se propõe a abordar temáticas amplas e a fazer um "revisionismo das eleições passadas". A relatoria da comissão é da deputada Lídice da Mata (PSB-BA).

Do Ceará, integram a CPMI o senador Eduardo Girão (Podemos) e a deputada federal Luizianne Lins (PT). Girão defende mudanças na legislação para acelerar investigações com uso de inteligência e tecnologia, além da conscientização da população sobre o tema e a efetivação de punição aos responsáveis.

"O Congresso Nacional precisa se debruçar sobre a temática, inclusive em âmbito de investigação dos responsáveis. Mas acreditamos que a CPMI não pode vir atrelada a nenhum viés ideológico, pois, se isso acontecer, perderemos a imparcialidade", afirma.

Luizianne Lins, por sua vez, já protocolou na CPMI requerimentos de convocação de representantes legais de empresas como Whatsapp, Google, Twitter, YouTube, Instagram, Telegram e Facebook. "Não podemos permitir que a continuidade dessa prática traga ainda mais prejuízos à nossa democracia", disse nesta semana à TV Câmara. A reportagem tentou contato com a deputada, mas ela não concedeu entrevista até o fechamento desta matéria.

Criminalização

Atualmente, tramitam no Congresso, pelo menos, 20 projetos de lei que tratam do combate às "fake news". Há, entre parlamentares, uma tendência a propor leis autoritárias para coibir a disseminação de informações falsas.

Um dos projetos prevê, por exemplo, alterar o Código Eleitoral para punir, com até oito anos de detenção e multa, quem produzir e divulgar conteúdo manipulado em relação a partidos ou candidatos capazes de exercerem influência perante o eleitorado.

"Achar que o Direito Penal é a solução de todos os problemas é um grande equívoco, cria mais problemas que soluções. Muitas vezes, se pretende criminalizar, mas já há previsão na legislação penal para crimes de injúria, difamação e calúnia", destaca o professor de Direito Constitucional da FGV-SP, Roberto Dias.

Para especialistas, o caminho mais efetivo a ser seguido pela CPMI e outras instâncias do Poder Público passa por efetivar a lei que já proíbe o uso de perfil falso e robôs para propaganda eleitoral, bem como a compra de banco de cadastro de usuários de internet e telecomunicações e o envio massivo de mensagens.

Outra medida defendida é assegurar o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados, aprovada em 2018; além de garantir o acesso pleno à Internet à população. Hoje, por causa dos chamados pacotes de "tarifa-zero", que privilegiam aplicativos como WhatsApp e Facebook, parcela significativa da população tem acesso limitado à informação.

Roberto Dias lembra que a propagação de informações falsas ou deturpadas já produziu efeitos concretos em eleições de países como Estados Unidos e França, enquanto Moisés Pessuti pontua a dificuldade em se identificar o impacto de uma informação falsa numa eleição. Ele frisa, contudo, que o risco não se trata apenas de deturpar a imagem de personalidade "A" ou "B".

Dados

O advogado ressalta o caso da empresa britânica de dados Cambridge Analytica que, no ano passado, foi pivô de um escândalo quando uma investigação jornalística revelou que dados pessoais de até 50 milhões de norte-americanos tinham sido obtidos irregularmente do Facebook e utilizados de modo indevido para fins eleitorais.

"Se vermos o impacto que a Cambridge Analytica teve nas eleições Trump-Clinton ou na discussão sobre o Brexit, aí sim vemos um efeito devastador, porque não dá para dizer que é uma 'fake news'. Eles fazem chegar até você um conteúdo baseado em seu perfil psicológico de opinião, de acordo com suas postagens".Diante disso, o advogado questiona até que ponto a sociedade brasileira está vulnerável a ser manipulada a partir daquilo que compartilha. "Criminalizar quem compartilha não vai resolver o problema da manipulação de dados que grandes grupos econômicos fazem com o que está na 'big data'", pontua.

Projetos de lei
Atualmente, tramitam no Congresso Nacional pelo menos 20 projetos de lei que tratam do combate às “fake news”. Veja algumas das propostas apresentadas na Câmara dos Deputados:
- Autora: Marília Arraes (PT-PE) 
- O que propõe: Acrescenta parágrafo à Lei das  Eleições para manter os efeitos de ordens judiciais de remoção de conteúdo da internet findado o período eleitoral
- Status de tramitação: Apensado ao PL-9973/2018. Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário
- Autor: Luis Miranda (DEM-DF) 
- O que propõe: Obriga os provedores de aplicações de internet a indisponibilizar notícias falsas
- Status de tramitação: Apensado ao PL-9647/2018. Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário
- Autora: Jaqueline Cassol (PP-RO) 
- O que propõe: Estabelece tratamento penal mais rígido a condutas praticadas com o auxilio da Internet 
- Status de tramitação: Aguardando Parecer do  Relator na Comissão de Seguridade Social e Família

Polêmica em Fortaleza

Uma informação falsa divulgada nas redes sociais colocou a Prefeitura de Fortaleza no centro de uma polêmica na última semana. Sites e postagens em redes sociais acusavam a Secretaria da Educação de lançar cartilha que incentiva a masturbação infantil e a pedofilia. 

Em nota, a Prefeitura de Fortaleza afirmou que o material exibido não faz parte do currículo oficial e pediu abertura de inquérito policial para investigar a origem da “fake news” e a disseminação. 

O conteúdo foi verificado pela agência de checagem “Aos Fatos”. O material, na verdade, contém trechos de uma apresentação sobre educação sexual feita pela educadora e formadora de professores da rede pública, Elisabete Cabral, em agosto. 

À agência, a educadora afirmou que o material foi feito a pedido dos educadores e disse que a apresentação não faz parte do material oficial distribuído pela Prefeitura.