Fundo partidário: Apenas dez partidos cumpriram cota de participação feminina, aponta TSE

Das 32 agremiações que tiveram as contas de 2014 analisadas pelo TSE, 22 não cumpriram a exigência de direcionar 5% dos recursos recebidos do Fundo Partidário a programas de incentivo à participação feminina na política

O incentivo à participação de mulheres na política é uma ação que deve ser cumprida pelos partidos brasileiros, independentemente se o ano é eleitoral ou não. Trata-se de uma exigência da Lei dos Partidos Políticos que, desde 2009, impõe a destinação de um percentual mínimo do Fundo Partidário a políticas afirmativas de gênero que possibilitem o ingresso de mulheres na política. Contudo, segundo balanço divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos últimos dias, referente à prestação de contas das legendas de 2014, apenas dez dos 32 partidos existentes à época investiram 5% dos recursos do Fundo conforme exigido pela legislação.

Entre as irregularidades cometidas pelas agremiações partidárias, segundo julgamento concluído pelo TSE com cinco anos de atraso, o descumprimento do percentual mínimo para "promoção, difusão e incentivo da participação feminina na política", como detalha a lei, só perde para a ausência de comprovação de gastos. Conforme mostrado em reportagem da edição de ontem do Diário do Nordeste, 97% das siglas não tiveram contas aprovadas, segundo balanço da prestação de contas de 2014.

Dentre os 32 partidos que tiveram as contas analisadas, 22 não aplicaram o percentual mínimo de 5% para programas de incentivo à participação de mulheres. Apesar de configurar como irregularidade, essa desobediência não leva à desaprovação das contas, sendo estabelecidas apenas ressalvas na aprovação. Por outro lado, ao contrário do que ocorre em outros casos, o recurso não aplicado nas políticas afirmativas não pode ser devolvido à Justiça Eleitoral.

Neste caso, o montante não aplicado em iniciativas de incentivo a essa participação, acrescido de um multa de 2,5% sobre o valor correspondente ao percentual de 5% do Fundo Partidário de cada legenda, deve ser utilizado pelo partido no ano subsequente ao julgamento - só em ações afirmativas para mulheres.

"Há um interesse muito grande em não cumprir as ações afirmativas. É pouco dinheiro e, ainda assim, os partidos não usam ou desviam do que era o objetivo do recurso. Se não existe investimento para construir, não vai ter candidata", critica a vice-diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Danuza Marques.

Ela cita também uma das respostas que mais ouviu de dirigentes partidários quando indagava, em pesquisas, sobre a falta de participação de mulheres nas eleições: segundo eles, não existiriam "mulheres interessadas em fazer política". "Só vai ter gente querendo sair candidata se tiver condições", rebate.

Dizer que "não existem mulheres interessadas em política" foi uma expressão citada pelas outras pesquisadoras entrevistadas para esta reportagem que, assim como Marques, ouviram isso, mais de uma vez, de dirigentes para justificar o baixo número de mulheres candidatas. A sentença não tem embasamento concreto, explicam.

Candidatura

"Os partidos dizem que não têm mulheres para se inscrever, mas isso ocorre porque não há incentivo para a participação das mulheres na política", argumenta Raquel Machado, professora de Direito Eleitoral na Universidade Federal do Ceará (UFC).

"O partido não dá oportunidade que a mulher tem que ter e menospreza a educação para a política. Até chegar o dia das eleições", diz. Na legislação eleitoral, as legendas têm que cumprir uma série de exigências quanto à presença de mulheres nas candidaturas. Nas chapas que irão disputar as eleições proporcionais, ou seja, para vereador, deputado estadual ou federal, é obrigatório o preenchimento de 30% das vagas reservadas pelo gênero minoritário, que, neste caso, é representado por candidaturas femininas.

"É triste que, por ser para as mulheres, o que é porcentagem mínima vira teto e, nem assim, esse 'teto' é atingido", lamenta a advogada especialista em Direito Eleitoral, Isabel Mota. "A gente não vê partidos com mais de 30% de candidatas mulheres", exemplifica. Segundo ela, mesmo quando não são usados instrumentos para desviar dessa norma, como a utilização de candidaturas laranjas, há um "número reduzido de candidatas que se mostram viáveis".

No caso de programas de incentivo à participação feminina na política, lembra Mota, trata-se de "uma cota mínima de incentivo, os partidos podem dedicar mais". "Se tivessem esse investimento, poderiam formar quadros femininos. Esta inobservância gera a sub-representatividade das mulheres", ressalta.

Direção

Para analistas, existe uma tentativa de isenção por parte dos dirigentes partidários quanto à função de cada legenda nessa baixa representação das mulheres nos espaços institucionais de Poder. "O partido tem toda a responsabilidade dessa ausência, mas o problema é que eles (dirigentes) não veem como responsabilidade deles", explica a socióloga e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da UFC, Paula Vieira.

"Os partidos são as instituições responsáveis por apresentar as candidaturas, então como vamos transformar isso se não for por uma transformação dentro dos partidos? Eles que precisam criar mais oportunidades para as mulheres", acrescenta a socióloga. Em muitos casos, a própria estrutura partidária dificulta o cumprimento das políticas afirmativas por parte dos dirigentes. "Existe uma baixa democracia interna dos partidos. Então, o resultado dos processos que elas conduzem também não vai ser democrático", diz Danuza Marques.

As mulheres, nesta lógica, não são as únicas a serem sub-representadas. "Na política, tem poucas mulheres, poucos trabalhadores, poucos indígenas, poucas pessoas negras. Isso é resultado de um longo processo até chegar à não eleição dessas pessoas", argumenta. "Quem controla, não quer abrir mão desse poder, então vai ser uma disputa enorme", completa a pesquisadora.

Para Paula Vieira, a ausência de mulheres em postos de direção partidária é problema. "Elas não estão ocupando os cargos para começar a viver a política desde essa organização interna. Então, quando chega no sistema eleitoral, acaba não tendo mulheres".

"E como ele (partido) se comunica com as filiadas?", questiona a professora Raquel Machado. "É função do partido engajar as mulheres". "Tudo passa por garantir as condições para que essas mulheres consigam competir", resume Danusa Marques.

Endurecimento das sanções pode refletir nas eleições

Possíveis sanções vindas, principalmente, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) podem mudar o quadro para a disputa municipal deste ano. Uma delas parte do entendimento da Justiça Eleitoral de que, após cinco candidaturas de mulheres à Câmara de Vereadores de Valença (PI) se mostrarem fictícias, toda a coligação deveria ser cassada. O julgamento, apesar de dizer respeito de uma chapa que disputou eleições em 2016, abriu precedente para futuras decisões sobre fraudes à cota de gênero. 

“Essas decisões são importantes porque mostram que uma atuação da Justiça Eleitoral, ainda que demorada, chega. E os partidos, se não ficarem atentos, podem sofrer sanções mais graves”, aponta Raquel Machado. “Quando a gente fala de democracia, estamos falando de controle público. Nisso, o papel do Judiciário está sendo acionado. No caso das mulheres, é necessário delimitar como essas ações afirmativas vão ser implementadas”, completa Danuza Marques.

“O recado dado pela Justiça de que irá merecer uma reprimenda exemplar gera o efeito pedagógico pela dor. Mesmo partidos não envolvidos em irregularidades começaram a perceber que ou estimulam mulheres para serem candidatas ou vão ter que jogar dinheiro no lixo”, concorda Isabel Mota. 

A advogada especialista em Direito Eleitoral relata que vem sendo, por exemplo, chamada a participar de mais cursos de formação política para mulheres. “Quando você ensina à mulher como ela vai viabilizar esta candidatura, é possível ter candidaturas de mulheres com voz e vez para disputar efetivamente”, projeta. 

Paula Vieira, contudo, é menos otimista. “As lideranças partidárias já estão consolidadas em encontrar caminhos para cumprir essa legislação, mas contornando esse cumprimento”, explica. A pandemia é outro fator que pode atrapalhar essas candidaturas. 

“É possível perceber o quanto as atividades domésticas ocupam a vida das mulheres. Na pandemia, isso está ficando cada vez mais alarmante. Então, como a vida política vai ser interessante, com essa sobrecarga? É um fator limitante”, ressalta.