Não é novidade que os governos estaduais - e o Ceará está incluído nessa lista - adotam as cooperativas médicas como uma das principais alternativas para prestação de serviços à população. Levantamento do Diário do Nordeste no Portal da Transparência do Governo do Estado revela que a gestão Camilo Santana gasta mais de R$ 1,4 bilhão em contratos com 15 entidades para fornecer profissionais aos hospitais públicos. A dependência das cooperativas esconde dois lados de uma moeda: o poder delas de negociar ganhos elevados e a qualidade do sistema público de saúde por meio das entidades.
De acordo com o Portal da Transparência, o Orçamento das despesas da Secretaria da Saúde (Sesa) para 2019 é de R$ 3,7 bilhões. Atualmente, contratos são celebrados com diversas cooperativas médicas - associações de profissionais da saúde contratadas para fornecer determinado serviço -, que negociam os valores, recebem recursos e os repassam aos cooperados. Nesse processo, as entidades têm o poder de barganhar salários. Na lista dos contratos vigentes, entidades que prestam serviços em especialidades diversas, que vão da hemodinâmica à traumatologia, recebem valores expressivos.
A Cooperativa de Trabalho de Atendimento Pré-Hospitalar LTDA (Copah), por exemplo, mantém vínculos com o Estado desde 2013. Atualmente, há 12 contratos em vigência entre a entidade e o Governo, que somam um montante de R$ 323,5 milhões. A maioria está direcionada a compor o quadro de enfermeiros no Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS) e também no Hospital Geral de Fortaleza (HGF).
A segunda maior despesa é com a Cooperativa dos Médicos Emergencistas do Ceará (Cemerge). Para fornecer profissionais que supram as demandas em hospitais do Estado, o contrato alcança, até agora, R$ 262,9 milhões. Um plantão de 12 horas, de um médico ligado a essa cooperativa, varia de R$ 492,80 a R$ 2.229,00, para aqueles que ficam no setor cardiorrespiratório nos plantões de sextas-feiras, sábados, domingos e feriados.
A Cooperativa de Hemodinâmica do Ceará (Hemocoop), que fornece cirurgiões, procedimentos hemodinamicistas e neurocirúrgicos para as unidades de saúde, mantém contratos com o Governo que alcançam a quantia de R$ 164,5 milhões. O Portal da Transparência mostra, no entanto, que esse valor ainda não foi pago totalmente, uma vez o que o contrato está em vigência.
O plantão de um cirurgião no HGF ou no Hospital de Messejana, às sextas, sábados, domingos e feriados, custa ao Estado, por meio dessa cooperativa, R$ 1.630,50 em média. Nos casos em que um cirurgião realiza uma embolização de aneurisma cerebral, por exemplo, recebe mais: R$ 1.870,08. Outros procedimentos, como recanalização arterial, custam mais aos cofres do Governo: R$ 1.574,95.
O Estado também gasta muito com a aquisição de anestesiologistas por meio da Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do Ceará (Coopanest). O contrato, que termina no próximo dia 14 de maio, é de mais de R$ 155 milhões, para fornecer profissionais para o HGF, Albert Sabin, Centro Especializado de Odontologia (CEO), Instituto de Prevenção do Câncer e o Hospital José Martiniano de Alencar.
Valores
A presidente da entidade, Vládia Freitas, justifica que os preços negociados já são praticados no mercado. "Os valores são mais caros por causa dos transplantes, e a gente nem tem utilizado o total dos valores contratados por ano. O valor anual de 2018 a gente usou 80% dos valores". Segundo ela, a unidade conta com 600 cooperados e cerca de 120 prestam serviço em sete hospitais públicos cearenses.
A pediatria, para as áreas de urgência e emergência dos hospitais, é outra especialidade bastante requisitada pelo Governo do Estado às cooperativas médicas. Um dos contratos firmados é com a Cooperativa dos Pediatras do Ceará (Cooped), de R$ 115,5 milhões. Um pediatra que dá plantão nos feriados "especiais", em datas como Natal e Ano Novo, recebe R$ 3.192,92. Segundo o presidente da entidade, Osmiro Barreto, os médicos, contudo, não chegam a receber esses valores.
"A cooperativa tira descontos obrigatórios - PIS, Cofins, Imposto de Renda -, que a gente é obrigado a recolher. Ao todo, dá um desconto de 13,15%. Os nossos valores são com base do piso da Fenan (Federação Nacional dos Médicos). O cooperado é para suprir a necessidade de férias, licença-gestante. Tem UTI que não tem condição de funcionar sem cooperado, porque os médicos se aposentaram e não teve mais concurso".
Alternativas
A professora do Curso de Pós-Graduação de Saúde Coletiva da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Helena Lima, avalia que a dependência das cooperativas médicas demonstra fragilidade dos governos estaduais e defende a realização de concurso público. "As cooperativas não criam vínculos das pessoas com os seus médicos, porque um dia tem médico, outro dia tem outro. Se fizer concurso, vai ter demanda, mas a tendência é terceirizar", diz.
Já a pesquisadora em Gestão do Trabalho na Saúde, Roberta Meneses Oliveira, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), acrescenta que muitos profissionais burlam o sistema, acumulando vínculos empregatícios além das cooperativas e, assim, recebendo salários mais altos. "Muitos cooperados têm empregos concursados. Além disso, eles se cooperam para que, nos horários que eles não estejam de plantão, possam dar plantões extras".
Por outro lado, ela afirma que a maioria dos cooperados recebe salários baixos e que, devido ao acúmulo de "múltiplos empregos", a atividade acaba causando impacto negativo no sistema público de saúde. "Como tem gente que acumula até cinco empregos, existem os erros de cirurgia, medicação errada, paciente sendo operado errado. A sobrecarga tem gerado danos".
A reportagem também buscou a Secretaria Estadual de Saúde e solicitou uma entrevista com um representante do Estado sobre os contratos com as cooperativas. Em nota, a Pasta disse apenas que está preparando seleção temporária de pessoal enquanto viabiliza a realização de concurso público. No fim do ano passado, o governador Camilo Santana (PT) afirmou que realizaria concurso público para a Saúde no segundo mandato, mas não deu detalhes.