"Ele parece liberal". "Ela é comunista". "Na verdade, moderado". "Fascista!". "Mais um 'esquerdopata'". Você já deve ter ouvido nas ruas ou nas redes sociais alguma dessas expressões ou "rótulos", muitos usados de forma equivocada, para classificar e separar os que simpatizam com os campos ideológicos da esquerda e da direita. No Brasil, essa divisão dos dois "lados" é historicamente acirrada, mas longe de ser simplista. A polarização acaba multiplicando clichês e equívocos que podem expor riscos à democracia.
Afinal, cada pensamento é marcado por ideais diferentes em relação ao modo de governar e aos costumes. Nesse "ringue", ainda existe o "centro", um espectro político longe dos extremos e que busca ser capaz de reunir características tanto de uma corrente como de outra.
O marco principal para o surgimento dos conceitos de esquerda e de direita é a Revolução Francesa, em 1789, a partir do lema "liberdade, igualdade e fraternidade". O sociólogo Clésio Arruda, professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), lembra que a ideia da liberdade pregada naquela época estava ligada, principalmente, ao plano econômico. "Do indivíduo querer a liberdade de trabalhar, de produzir, de gerar riqueza, e temos aí, simultaneamente, uma acumulação de riqueza, mas um Estado menos presente, e a gente vai ter um aumento da pobreza".
Histórico
Em oposição ao "liberalismo amplo", pontua Clésio, surge um pensamento "um pouco mais central, apoiado no lema da solidariedade", que se constituiria depois em um "Estado de bem-estar social". "Que combinaria um pouco das ideias da defesa do liberalismo, principalmente a questão do livre comércio e, de outro lado, a presença do Estado promovendo a assistência social aos necessitados", explica. "Ele vai, taticamente, dominar o pensamento e a prática dos governos europeus no período que vai de 50 aos anos 80, promovendo política educacional, apoiando o ensino superior", acrescenta.
Foi também durante a Revolução Francesa que esses grupos políticos se posicionaram pela primeira vez em favor da esquerda e da direita, quando, na Assembleia Nacional, os liberais girondinos, que pregavam uma revolução liberal e a abolição dos privilégios da nobreza, sentavam-se à direita do salão. Já os extremistas jacobinos, que defendiam o fim dos privilégios para nobreza e clero, mas eram favoráveis a um regime centralizador, sentavam-se à esquerda. De lá para cá, as bandeiras defendidas por cada um dos espectros políticos mudaram.
Segundo a cientista política Roseli Coelho, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), a principal premissa do campo da esquerda é o combate às desigualdades sociais. "Na economia, você pode dizer que a pessoa de esquerda entende que o Estado tem que estar presente, de modo a corrigir as perversidades do sistema econômico no qual vivemos, que é o capitalismo. É alguém que defende todos os direitos civis", descreve.
Crítica
Ideais que, segundo Roseli Coelho, representam o socialismo e não o comunismo, como algumas pessoas usam, de forma equivocada, para criticar aqueles que simpatizam com a esquerda. "Comunismo é um termo completamente fora de época, com o desaparecimento do bloco comunista do Leste Europeu. A palavra adequada é socialista, é alguém que coloca em primeiro lugar o bem comum, é um coletivo. Não é individualista, ele é um coletivista", diferencia.
Já o adepto da direita, observa a cientista política, parte do princípio de que a sociedade tem que estar "organizada", em que prevalece a lei do mais forte. "É alguém que acredita que o Estado tem que ficar longe da economia. No entanto, essa posição de tirar o Estado da economia é relativa, porque eles são plenamente favoráveis ao Estado favorecer os empresários, com juros subsidiados para os negócios, incentivos fiscais. É alguém que acha que os valores da família têm que ser impostos", avalia.
De acordo com Roseli Coelho, também não vale relacionar um militante de direita com o fascismo. "O fascista é uma posição de extrema-direita que não aceita o contraditório, que não aceita quem pensa diferente. O fascista, de fato, não é a mesma coisa de alguém de direita", esclarece a professora. "Ele é de direita porque acha que o mercado é mais importante do que a atuação do Estado para diminuir as desigualdades, mas respeita os direitos humanos, os direitos civis, é capaz de conviver com quem pensa diferente".
Muitos partidos
Essa confusão ideológica, explica a cientista política Monalisa Soares, professa da Universidade Federal do Ceará (UFC), se deve ao fato de que, no Brasil, existem muitos partidos políticos sem uma ideologia definida. Ela considera, porém, que existem setores de esquerda e de direita. "Os que chegaram até hoje para governar, seja de direita ou de esquerda, sempre tiveram que, em algum momento, dialogar com o centro, para fazer algum nível de conciliação, então você teve no Brasil governos de centro-esquerda e centro-direita", observa.
O sociólogo Clésio Arruda, por outro lado, considera que, apesar de parte da população não ter conhecimento profundo sobre os espectros ideológicos da política, é capaz de "discernir" o Estado mais voltado para questões sociais do Estado que apoia mais resoluções do mercado. "É capaz de sentir se esse Estado atende mais aos meus interesses ou atende aos interesses que não são os meus e a forma que as pessoas decidem o seu voto. O voto é interessado naquilo que atende às necessidades dos indivíduos", pondera.