Em meio a seguidos recordes no número de mortes por Covid-19 no Brasil, a decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), de acelerar a votação de projeto que facilita a aquisição de vacinas para uso empresarial foi bombardeada de críticas da oposição. A proposta desobriga os empresários a doarem as doses dos imunizantes ao Sistema Único de Saúde (SUS), para uso público.
O projeto de lei 948/2021 é de autoria do deputado maranhense Hildo Rocha (MDB). O texto foi apresentado no último dia 17 de março, mas, na quarta-feira (31), durante reunião no Colégio de Líderes da Câmara, parlamentares pediram que o texto tramite em regime de “urgência urgentíssima”. Com sinalização positiva do presidente da Casa, a matéria deve ser apreciada na próxima semana em plenário.
Ainda na quarta-feira, durante reunião do Comitê de Crise contra a Covid-19, criado pelo Governo Federal, Lira e Rodrigo Pacheco (DEM), presidente do Senado, defenderam uma maior participação do setor privado na compra de vacinas.
“Tem uma discussão que inicia-se hoje (quarta-feira) na Câmara e tem que ser transparente, que é da possibilidade de a iniciativa privada também adquirir vacinas, para que o empresário possa vacinar os seus funcionários e seus familiares, para manter a sua empresa, o seu negócio de pé”, disse Lira.
O que diz o projeto
O PL apresentado à Câmara define que empresas poderão adquirir diretamente vacinas contra a Covid-19 que tenham algum nível de autorização, seja definitiva, temporária ou emergencial.
O texto também autoriza a aquisição de imunizantes que tenham sido avaliados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou por autoridades sanitárias estrangeiras reconhecidas e certificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em um dos trechos mais polêmicos, o projeto de lei determina que o valor de custeio dos imunizantes será integralmente deduzido do imposto de renda das empresas que fizeram a aquisição.
Na prática, se aprovada, a legislação permitirá que empresários importem vacinas (inclusive não autorizadas pela Anvisa) para uso em seus negócios, e o valor da compra será custeado por recursos públicos.
Vacinação privada
Há menos de um mês, o Congresso aprovou um projeto que permite a aquisição de vacinas pelo setor privado. Contudo, a legislação obriga que todas as doses sejam direcionadas ao Plano Nacional de Imunização (PNI) e destinadas aos grupos prioritários. Só depois que essa parcela da população for vacinada é que as empresas poderão usar 50% das doses em seus empregados de forma gratuita.
O texto já aprovado no mês passado desagradou empresários, que esperavam adquirir as doses para uso particular. Agora, a ideia dos parlamentares é flexibilizar a legislação anterior para atender ao mercado. Entre os empresários que defendem essa mudança está Luciano Hang, proprietário da Havan, e Carlos Wizard, fundador da escola de línguas.
Críticas
Após a sinalização favorável de Arthur Lira, deputados federais e até senadores atacaram a proposta. “Não pode ser prioridade da Câmara permitir a compra de vacina para empresa privada vacinar quem ela quiser e ainda abater o gasto do imposto de renda. Escandaloso! Vai privilegiar os mais ricos e fazer o estado pagar a conta, bagunçando o escasso processo de vacinação no País”, declarou a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT).
O deputado Henrique Fontana (PT) também atacou o projeto. Confira:
Ficou p/ semana que vem a votação do PL q permite a compra de vacinas por empresários sem q doses sejam doadas ao SUS. Não podemos permitir esse absurdo! O PL 948 vai fazer com q pobres morram na fila enquanto os ricos garantem as próprias doses. A vacinação tem que ser pelo SUS! pic.twitter.com/QSzRvum0N6
— Henrique Fontana (@HenriqueFontana) April 1, 2021
O deputado Alexandre Padilha (PT), que já comandou o Ministério da Saúde durante o governo Dilma Rousseff (PT) classificou a proposta como a institucionalização do “camarote da vacina”. “Ou vocês podem chamar de ‘legalizar furar-fila da vacina’”, atacou.
Para o parlamentar Marcelo Freixo (Psol), a medida “privatiza” a imunização.
“A vacinação tem que assegurar o interesse público baseado em critérios epidemiológicos, priorizando idosos e grupos de risco. Nós da oposição não permitiremos a criação do camarote da vacina”, disse o psolista.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede) também classificou a proposta como “absurda”. “Nenhum país do mundo cometeu esse absurdo! Esse é o verdadeiro fura-fila da vacinação”, disse.
“É cruel querer ‘boquinha’ de vacinação com uma média de três mil mortes por dia”, concluiu o parlamentar.
Defensores
Para Arthur Lira, diante da situação da pandemia no Brasil , todo apoio, seja público ou privado, é bem-vindo. “Qualquer brasileiro vacinado é um a menos na estatística de contrair o vírus. Precisamos fortalecer o Sistema Único de Saúde, mas estamos numa guerra e qualquer medida é válida. A Câmara está atenta e à disposição para que as medidas legislativas possam auxiliar para se ter mais agilidade e ferramentas no combate à pandemia”, ressaltou.
Em sua justificativa pelo projeto, o deputado federal Hildo Rocha também se adiantou e rebateu críticas.
“Não se busca a quebra da fila de vacinação, deixando os mais necessitados ao relento. O que se pretende é uma atuação conjunta, de mãos dadas com o poder público, pois quanto maior o número de vacinados, menor a disseminação do vírus”, disse.
Autora do relatório sobre a proposta que será apreciada nas comissões da Câmara, a deputada Celina Leão (PP) é favorável à flexibilização. "O PL 948/21 tem como foco o trabalhador, o principal motor da economia. Ele permite a compra de vacinas pela iniciativa privada e não altera a prioridade do SUS", argumentou.
O PL 948/21 tem como foco o TRABALHADOR, o principal motor da economia. Ele permite a compra de vacinas pela iniciativa privada e não altera a prioridade do SUS.
— Celina Leão (@celinaleao) April 1, 2021
O empresário além de vacinar o seu funcionário, deverá doar ao SUS toda a quantidade correspondente às vacinas dadas.