A disputa pela Presidência do Senado Federal ocorre nesta segunda-feira (1°) e tem como uma das candidatas a senadora Simone Tebet (MDB-MS). Sem apoio do próprio partido, ela tenta se tornar a primeira mulher a presidir uma das Casas do Congresso Nacional. Em toda a história brasileira, nem o Senado, nem a Câmara tiveram mulheres como presidentes. O caso se repete nos parlamentos pelo País: até hoje, apenas oito mulheres presidiram os legislativos dos 26 estados brasileiros e Distrito Federal.
Levantamento realizado pelo Sistema Verdes Mares mapeou todos os parlamentares que ocuparam a presidência no Senado e na Câmara Federal, nas 26 assembleias legislativas e na Câmara Legislativa do Distrito Federal. A pesquisa levou em consideração apenas os deputados que assumiram de modo efetivo a presidência das casas legislativas.
Em toda a história política brasileira, apenas oito mulheres foram presidentes dos parlamentos estaduais: Elizabeth Azize (AM), Michelle Begot (PA), Luana Ribeiro (TO), Márcia Maia (RN), Angélica Guimarães (SE), Celina Leão (DF), Luiza Toledo (ES) e Silvana Covatti (RS). O número é restrito ao considerar que as casas legislativas brasileiras possuem décadas de existência - as mais recentes foram criadas em 1991.
Por outro lado, 15 assembleias nunca tiveram uma mulher como presidente, entre elas a do Ceará. O cenário nacional não é diferente: nem a Câmara dos Deputados, nem o Senado jamais foram comandados por mulheres. Cinco casas legislativas não disponibilizaram informações sobre ex-presidentes nos respectivos sites e não responderam à solicitação da reportagem: Pará, Acre, Paraíba, Alagoas e Rio de Janeiro. Contudo, a Assembleia Legislativa do Pará foi presidida pela deputada Michelle Begot durante o biênio 2019-2021.
Deputadas na presidência
Nem todas as deputadas a ocuparem a presidência de alguma casa legislativa, entretanto, foram eleitas para o cargo. Algumas também não chegaram a ocupar a cadeira durante um biênio completo - tempo de duração do mandato de um presidente no Parlamento. Na Assembleia Legislativa de Tocantins, por exemplo, a primeira mulher presidente não foi eleita para o cargo.
A deputada Luana Ribeiro compôs a Mesa Diretora como primeira vice-presidente para o biênio 2017-2019. Contudo, com a cassação do governador do Estado, Marcelo Miranda, o presidente da Casa, Mauro Carlesse (PHS), precisou renunciar ao mandato como deputado para assumir o governo estadual. Em julho de 2018, Ribeiro tomou posse como presidente - cargo que ocupou até 31 de janeiro de 2019.
No Espírito Santo, a primeira mulher a ocupar a cadeira de presidente de forma definitiva ficou apenas 30 dias no cargo. A deputada Luiza Toledo assumiu o posto após a renúncia do deputado Guerino Zanonm, eleito prefeito do município de Linhares.
Ela ficou no comando da Assembleia do Estado durante o mês de janeiro de 2009 e foi quem conduziu a eleição para a composição da Mesa Diretora eleita para o biênio 2009/2011. Na eleição, foi escolhido o deputado Elcio Alvares para a presidência. Desde então, nenhuma outra mulher assumiu o cargo efetivamente.
Já no Distrito Federal, a deputada Celina Leão foi eleita presidente da Câmara Legislativa para o biênio 2015/2016. Contudo, a parlamentar não finalizou o mandato à frente do Parlamento. Ela foi afastada em agosto de 2016 por suposto envolvimento em esquema de propina para liberação de emendas e pagamento de dívidas do Governo do Distrito Federal.
Obstáculos
O pequeno número de mulheres a chegar ao comando do Poder Legislativo retrata outra faceta da representatividade feminina: mesmo após conquistarem os cargos eletivos - ainda que em minoria -, ainda há uma série de barreiras enfrentadas dentro dos espaços públicos de poder. Obstáculos produzidos por décadas, mesmo séculos, de ausência das mulheres nestes espaços e de um domínio masculino na política institucional.
“Mesmo que os homens não tenham nada contra mulheres, eles já estão ocupando esses espaços e, dificilmente, querem ceder o lugar. Os homens ocupam os espaços de poder há mil, dois mil anos. (Por outro lado) As mulheres só passaram a estar presentes na política no século XX”, argumenta a professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Machado.
O direito de participar da vida política no Brasil é uma conquista que ainda não completou um século. O voto para mulheres no País, por exemplo, foi autorizado em 1932, e apenas dois anos depois elas tiveram direito de exercê-lo sem necessitar da autorização dos maridos.
A primeira parlamentar eleita deputada federal foi Carlota Pereira de Queiroz, apenas em 1934, enquanto a primeira senadora brasileira, Eunice Michiles, tomou posse no dia 31 de maio de 1979.
“Existe todo um desafio contínuo para as mulheres. Depois que elas chegam aos parlamentos, passa a ser um desafio institucional, porque as estruturas são todas ocupadas por homens há muito tempo”, completa Raquel Machado.
Um desafio que não começa nos poderes, aponta a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), Monalisa Soares. “Quando a gente olha a paisagem do partido, quantas mulheres são presidentes?”, indaga. "Essas dinâmicas transpassam todas essas estruturas”.
“As mulheres sempre ocuparam mais espaços privados do que públicos. Quando elas chegam ao público, existe uma cultura que não está acostumada e, muitas vezes, essa mulher é infantilizada ou silenciada. Existe uma cultura de não ocupação dos espaços ou de não valorização das mulheres nesses espaços”, completa Raquel Machado.
Ceará
Os principais legislativos do Ceará ainda não elegeram mulheres para a presidência. A Assembleia Legislativa do Ceará nunca teve uma deputada estadual no comando, enquanto a única mulher a presidir a Câmara Municipal de Fortaleza ocupou o cargo de maneira pouco ortodoxa.
A vereadora Iria Férrer (MDB) foi nomeada interventora na Mesa Diretora da Casa pelo governo estadual no dia 28 de março de 1988. A Mesa Diretora, presidida então por Wellington Soares (MDB), era alvo de investigações da Polícia Civil e do então Conselho de Contas dos Municípios do Ceará. Em novembro do mesmo ano, ela sairia do cargo após liminar judicial autorizar a posse do vice-presidente que havia sido afastado, José Maria Couto.
A ausência de mulheres se repete em outros cargos estratégicos dentro do Parlamento. Na Assembleia, por exemplo, a primeira deputada a assumir a liderança de governo foi Augusta Brito (PCdoB), em julho do ano passado. Presidências de comissões temáticas com maior orçamento ou de maior peso também são comandadas, com raras exceções, por homens. Um cenário comum em outros legislativos pelo Brasil.
Monalisa Soares descreve a questão como uma versão da divisão sexual do trabalho existente na sociedade, mas adaptadas para o contexto do poder político. Neste caso, por exemplo, alguns assuntos são considerados "mais femininos", enquanto outros são mais ligados ao masculino.
"A divisão sexual do trabalho tem a ver com os estereótipos que carregamos, em que as mulheres seriam mais afeitas ao cuidado, aos afetos e à atenção, enquanto aos homens cabe o estereótipo do cálculo e da racionalidade", explica a pesquisadora.
Por conta disso, comissões que lidam com questões como Assistência Social, Saúde e Infância costumam ser comandadas por mulheres, enquanto aquelas que tratam de Constituição, Orçamento e Infraestrutura são presididas, majoritariamente, por homens.
"Esses estereótipos moldam e orientam as subjetividades e acabam sedimentando os percursos das mulheres, as trajetórias políticas delas", completa.