Efeitos de obra na relação de Bolsonaro com o NE dividem cearenses

A visita do presidente ao Ceará, na última sexta-feira (26), para acompanhar a chegada das águas do São Francisco, gerou críticas entre opositores, mas foi vista por aliados como passo importante para uma aproximação com a região

Politicamente, a vinda do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao Ceará para inaugurar o Eixo Norte da Transposição das águas do Rio São Francisco não mudou a relação de oposição com o Governo do Estado. Aliados do governador Camilo Santana (PT) avaliam que faltou diálogo e consideram que o momento para a agenda não foi tão adequado. Por outro lado, apoiadores de Bolsonaro acreditam que a entrega da obra foi importante para aproximar o presidente do Nordeste e tentar conquistar terreno em um reduto que, tradicionalmente, é de partidos de esquerda. 

Na eleição presidencial de 2018, o Nordeste foi a única região do Brasil onde Bolsonaro não saiu vitorioso, ficando com 30,3% dos votos válidos. A região é a que concentra também boa parte dos governadores de oposição. Desde a campanha eleitoral, quando fala sobre o Nordeste, Bolsonaro cita que seu sogro é de Crateús, município cearense, para tentar demonstrar ligação com o Nordeste.

Na última quinta-feira (25), véspera da inauguração do Eixo Norte da Transposição, ele voltou a falar em uma ‘live’ nas suas redes sociais sobre o parentesco de sua esposa, Michelle Bolsonaro. O presidente disse que convidou Camilo Santana e outros governadores para “bater um papo e trocar ideia” no evento. “São governadores de oposição, mas nosso Governo não tem oposição. Meu sogro, inclusive, é do Ceará”, lembrou.

Convite 
Camilo Santana agradeceu nas suas redes sociais ao presidente Jair Bolsonaro e a governos anteriores pela Transposição, mas disse que visitará o empreendimento “após superarmos este momento de pandemia” da Covid-19. Nem ele, nem outros governadores foram à inauguração. Aliados de Camilo se sentiram desconfortáveis de inaugurar uma obra em meio à pandemia. 

O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, chegou a se reunir com Camilo Santana um dia antes do evento, em um gesto de pacificação. Segundo auxiliares do governador, a reunião foi boa, mas, institucionalmente, não representou uma aproximação. Pelo contrário, repercutiu mal o fato de o convite oficial para o governador só ter chegado na véspera da entrega da obra da Transposição dentro do seu Estado. 

Para o deputado estadual Guilherme Landim (PDT), aliado do governador e presidente da Comissão de Acompanhamento das Obras da Transposição na Assembleia Legislativa, a vinda de Bolsonaro poderia ter sido oportunidade de estreitar relações. Ele criticou, porém, o fato de lideranças políticas locais não terem sido convidadas para o evento de chegada das águas.

“Não é da parte de um governo vir inaugurar uma obra dessa grandiosidade e não mandar convite para nenhum prefeito, para outras lideranças, para a Assembleia. Tratar da forma como tratou o Governo do Estado, mandando convite de última hora só para constar”. 

Apesar disso, avalia Landim, não houve tensionamentos e a visita ficou “em um bom termo”. Mas para a deputada estadual Silvana Oliveira (PL), presente na inauguração da obra, Jair Bolsonaro não veio para abrir diálogo, e sim para “virar a página” com o povo nordestino. 

“Tinha uma multidão lá que desejava que ele chegasse perto. Ele conseguiu transformar um período de pandemia em um dia alegre, festivo. Água para o cearense é vida, é saúde. Até aqui, o nosso Ceará, de presidente, teve padrasto e madrasta, agora temos um pai do Nordeste”, afirmou.

Pandemia
Já o deputado estadual Fernando Santana (PT) ponderou a visita em meio à pandemia e chamou atenção para as aglomerações no aeroporto de Juazeiro do Norte, onde o presidente desembarcou. Ele lembrou que o município está em isolamento social rígido, por conta do alto número de casos de Covid-19.

“Manifestações de apoio ao presidente são legítimas, mas em outro momento, não nesse. Não acho que ele conseguiu abrir um canal de diálogo, porque o presidente não teve diálogo com o governador, que é a maior autoridade política do Estado”, opinou. 

Já o deputado estadual Delegado Cavalcante (PSL), também da base aliada do presidente, defendeu a inauguração da obra, porque “ia atrasar a água onde deve chegar”, justificou “Ele obedeceu o lockdown (em Juazeiro do Norte), só foram convidadas autoridades, e o mínimo possível para não fazer enxame”. 

O deputado federal André Figueiredo (PDT) discorda e também acha que a visita presidencial deveria ter sido adiada para outro momento, por causa da pandemia. “Não é momento de termos aglomerações. A visita deveria ter sido considerada dentro da normalidade, não fosse a situação que o Brasil vivencia diante de evitar aglomerações”, disse o líder da oposição na Câmara.

O evento contou com a presença de parlamentares cearenses: os deputados federais Dr. Jaziel (PL), Capitão Wagner (Pros), Domingos Neto (PSD), Pedro Bezerra (PTB) e Danilo Forte (PSDB); deputados estaduais André Fernandes (PSL), Delegado Cavalcante (PSL) e Silvana Oliveira (PL), além da vereadora de Fortaleza Priscila Costa (PSC). O deputado federal licenciado, Roberto Pessoa (PSDB) e o ex-deputado Raimundo Gomes de Matos (PSDB) também estiveram lá. 

Aproximação
Para Capitão Wagner, a inauguração de obras importantes como a Transposição é positiva para o presidente, porque beneficia diretamente a população da região. Para ele, se a economia melhorar depois da pandemia, a popularidade do Governo pode aumentar.

“Se a economia voltar a crescer, emprego voltar a ser gerado. Na medida em que obras sejam entregues, projetos que beneficiem a região Nordeste como esse (da Transposição do São Francisco), tenho certeza que vai ter maior penetração dele na região. O que vai tornar o nome dele maior aqui é o pós-pandemia”. 

Para Jaziel Pereira (PL), a inauguração da Transposição foi um passo “excelente” de aproximação do presidente com o Nordeste. Assim como Wagner, o parlamentar acredita que só por meio de investimentos na região Bolsonaro vai conquistar espaço. 

“A oposição ao presidente no Nordeste influencia muito no comportamento do povo, é uma barreira. Bolsonaro tem que usar de estratégias para estar presente no Nordeste, levar ações federais (à região). Pegar essas obras que estão paradas e concluir, entregar para o povo. Só dessa maneira ele ganha confiança e o povo se volta para o presidente”.