Constituição Estadual: efetivação de normas ainda é desafio

Há 30 anos, a Assembleia comemorava a nova Constituição

Há 30 anos, no dia 5 de outubro de 1989, a Constituição do Ceará era promulgada pela Assembleia Estadual Constituinte, atendendo a uma obrigatoriedade estabelecida pela Constituição Federal, também conhecida como Constituição Cidadã, em 1988. Em constante revisão, desde então, a Carta Magna do Estado está atualizada até a emenda 94, de 17 de dezembro de 2018. Mesmo com avanços, juristas consultados pela reportagem apontam que a efetivação das normas ainda é o principal desafio.

Isso porque, segundo eles, os cidadãos, legisladores e o Poder Judiciário precisam de mais empenho para transformá-las em realidade. Entre as principais dificuldades apontadas pelos parlamentares, estão a garantia à saúde, educação, moradia e preservação de direitos das minorias. 

“A Constituição Estadual, como a Constituição Federal, tem a pretensão de transformar a realidade. Agora, a palavra escrita não altera a realidade automaticamente. É necessário que cada cidadão e cada autoridade pública queiram ver a Constituição transformada em realidade”, cobrou o juiz Rafael Xerez. 

A opinião de Xerez é compartilhada pelo procurador do município de Fortaleza, Juraci Mourão, que justifica que os poderes Legislativo e Executivo poderiam buscar incluir, mais vezes, a população em discussões sobre propostas de Emenda à Constituição e em outras ações políticas. 

“Se você indagar qualquer pessoa sobre qual foi a última vez que ela invocou a Constituição Estadual para alguma coisa, dificilmente alguém vai se lembrar de ter invocado algum elemento. Eu acho que ela não vem atendendo (aos anseios da população cearense) com perfeição, porque, diversas vezes, as pessoas precisam recorrer ao Judiciário para fazer valer seus direitos, como no acesso a um medicamento, a um serviço de saúde”, ressaltou o procurador.

Ainda, segundo ele, assuntos da pauta de costumes, como sexualidade, por exemplo, são legislados com base na moralidade política, quando deveriam atender à moralidade pública. “Muitas vezes algumas normas da Constituição Estadual e da Federal refletem questões de moralidade política, e não de moralidade pública. O que está acontecendo no Brasil, recentemente, é que, nos assuntos de costumes, trata-se a moralidade política quando deveria ser tratada a moralidade pública”, enfatiza. 

Sobre esses temas, o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Rubens Beçak, diz que há, na maioria das Constituições, inclusive na Federal, brechas que permitem diferentes interpretações, o que acaba “deturpando certas normas”.

“Isso é típico do valor Constitucional em países que têm uma Constituição extensiva, como é o caso da Federal e de vários estados do Brasil. Algumas interpretações são feitas de forma mais exacerbada, e por isso, às vezes, chega-se a uma incompreensão da Constituição”, argumenta.

Normas

Para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, muitas dessas normas, principalmente sobre direitos fundamentais, de educação e saúde, são difíceis de serem cumpridas ‘tal qual’ estabelece a Constituição por déficit de recursos.

“Os estados e municípios não têm renda suficiente para fazer o que determina a Constituição. Um dos problemas que nós temos aqui é que nós concedemos muitas competências aos estados e municípios, mas, lamentavelmente, não lhes concedemos as rendas suficientes correspondente para o pleno exercício dessas responsabilidades”, questionou o magistrado. Em contraponto ao ministro Lewandowsky, a coordenadora do programa de pós-graduação em Direito Constitucional, Gina Pompeu, diz acreditar que o Brasil tem recursos suficientes para fazer valer as normas da Constituição.

“O Brasil está entre as maiores economias do mundo e, no entanto, é septuagésimo nono (conforme dados de 2018) em índice de desenvolvimento humano. Será que realmente faltam recursos? Será que não falta um planejamento para a destinação orçamentária? Um planejamento para a efetivação de direitos sociais? No meu ponto de vista falta planejamento, falta direcionamento de recursos. O Ceará é um Estado que tem muitas indústrias, uma boa arrecadação de impostos”.

Momento histórico

Apesar das dificuldades para efetivação de algumas normas da Constituição Estadual, todos os especialistas ouvidos pela reportagem concordam que o documento é extremamente necessário para disciplinar os direitos e deveres do Estado e seus cidadãos. 

Para deputados constituintes, fazer parte da elaboração da Carta Magna é uma honraria que será sempre lembrada. A ex-parlamentar Maria Lúcia, uma das duas mulheres que compunham a Assembleia Estadual Constituinte, em 1989, diz que a instalação da Carta Magna do Estado foi um momento de muito alegria, euforia, para o parlamento e para a população.

“Houve muita participação de universitários, da população, na elaboração da Constituição. As pessoas procuravam a Assembleia para dar opinião sobre direitos que queriam. O País vivia uma renovação política, e a Constituição representou essa renovação no Estado. A gente procurou atender aos anseios da população”, relembra.

O momento também é lembrado com alegria para a ex-deputada Maria Dias, a segunda mulher no parlamento à época. “De forma geral, uma Constituição representa o contrato de convivência social política e legal em um determinado território. E este é o papel da Carta cearense. Enxergo este avanço pela sua amplitude e sociabilidade”, destacou.

Já para o advogado e ex-deputado Paulo Quezado, aquele momento foi único, em que todas as esferas da sociedade buscaram ser ouvidas, em todas as regiões do Estado. “Nós viajamos o Estado inteiro para debater questões importantes com a população, ver as necessidades, ouvir todas as regiões. Nós tínhamos acabado de sair de uma era ditatorial. Houve muita mobilização de proposta, da sociedade, de sindicatos, de grupos políticos”, ressalta.

Ainda conforme Quezado, o ponto mais importante abordado pela Constituição Estadual é a democratização do Legislativo. Indagados sobre a quantidade de emendas interpostas ao texto original (1994, até dezembro de 2018), os três constituintes acreditam que a atualização e renovação das normas é algo bom para a sociedade, para acompanhar as novas necessidades que surgiram com as demandas.

Entretanto, eles reconhecem que ainda há pontos que precisam ser melhorados. Para Quezado, o principal é a saúde, por algo essencial para a sobrevivência da população. “O principal ponto que precisa de melhoria constitucional é a saúde. Ainda há muitas filas de cirurgias, pacientes que esperam 20, 30 dias, para serem atendidos. Essas brechas precisam ser sanadas”.