A Lei Orçamentária de 2021 está no centro de um novo embate entre o Executivo e o Legislativo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou mudanças feitas pelo Congresso Nacional no texto da proposta e pediu veto presidencial ao Orçamento por risco de impeachment. Do outro lado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP) acusa o ministro de fazer "terrorismo".
O realocamento de recursos feito pelo senador Márcio Bittar (MDB), relator do Orçamento, tem sido o principal ponto de divergência.
As alterações tiveram como principal objetivo aumentar as verbas disponíveis para emendas parlamentares - na qual, deputados e senadores podem destinar verbas para as bases eleitorais.
Para isso, foram retirados recursos de despesas obrigatórias, como auxílio desemprego e Previdência Social. O texto aprovado passou a prever menos recursos do que o necessário, o que torna a peça orçamentária, na avaliação da equipe econômica, inexequível e coloca em risco a regra do teto de gastos.
É o déficit do Orçamento 2021 após as alterações e omissões de despesas obrigatórias, segundo consultoria da Câmara
A equipe econômica vê risco de o governo cometer crime de responsabilidade ao assinar a sanção ao texto - o que pode justificar a abertura de um processo de impeachment.
Por isso, Paulo Guedes recomendou veto parcial ao projeto aprovado - o que pode gerar mais atritos com o Congresso e atraso na execução da proposta.
Do outro lado, Arthur Lira não quer o veto e não vê motivos para a abertura de um processo de afastamento. Responsável por aceitar qualquer pedido de impeachment contra o presidente, Lira afirma que um pedido com base nas mudanças feitas pelos parlamentares na lei orçamentária seria "apenas mais um na gaveta".
Vetos à Lei Orçamentária
A equipe econômica do governo federal avalia que haveria necessidade de um corte de despesas de pelo menos R$ 30 bi no Orçamento de 2021.
A peça orçamentária também não prevê receita para despesas obrigatórias e pode descumprir a regra constitucional do Teto de Gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Para evitar possíveis irregularidades, o governo avalia uma combinação de vetos presidenciais ao Orçamento 2021 e o envio de projeto de lei ao Congresso para reduzir as emendas parlamentares.
Contudo, a possibilidade de vetos enfrenta resistência no Congresso Nacional e na ala política do governo federal. O Orçamento foi aprovado por deputados e senadores com o apoio da base aliada ao presidente Jair Bolsonaro.
Um dos deputados cearenses que votou contrário ao Orçamento, Idilvan Alencar (PDT) afirma que o governo "joga muito confuso".
"O governo apoiou o projeto. (Se era para vetar) Por que não mudou a peça orçamentária quando estava na comissão ou orientou a base para votar contra?", indaga.
Parte da Comissão que analisou o Orçamento 2021, Eduardo Bismarck (PDT) também questiona porque o Executivo esperou a aprovação para depois questionar parte do texto do Orçamento.
"Fazer o veto agora acho uma medida altamente desnecessária. (...) Se for um veto pontual e algo explica, seria fácil a gente debater. Mas não é o perfil desse governo", afirma.
Segundo a equipe econômica, se o Orçamento for sancionado como está, será necessário realizar um grande contingenciamento. Com isso, corre-se risco de paralisar a máquina pública, interrompendo a prestação de alguns serviços.
Mudanças no Orçamento 2021
Relator do Orçamento, o senador Márcio Bittar fez ainda alterações na destinação dos recursos, o que aumentou a insuficiência de recursos para gastos obrigatórios.
Após negociações políticas, o senador decidiu cortar R$ 26,5 bilhões da verba destinada para área social (abono salarial e seguro-desemprego), para Previdência Social (que paga aposentadoria, pensões e benefícios como auxílio doença) e subsídios para agricultura familiar. Estas despesas são consideradas obrigatórias.
O principal corte foi nos recursos destinados à Previdência, em um valor de R$ 13,6 bi. Também foram retirados R$ 2,6 bi do seguro-desemprego.
O restante do recurso veio do corte na verba do abono salarial de R$ 7,4 bilhões. Esse valor não será necessário, pois o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador decidiu adiar o pagamento do abono para 2022.
A tesourada permitiu que o volume de emendas parlamentares subisse de R$ 22 bilhões para R$ 48,8 bilhões. As emendas são utilizadas por deputados e senadores para destinar recursos para obras e projetos na base eleitoral. Entre os ministérios favorecidos pelos recursos estão Infraestrutura e Desenvolvimento Regional.
Falhas na proposta inicial
Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara concluiu que a série de problemas identificados no Orçamento foram consequência de falhas do governo e do Congresso.
Técnicos de Orçamento da Câmara apontam que o Ministério da Economia se omitiu nas discussões e não enviou um pedido de ajuste no projeto de Orçamento em função do aumento do salário mínimo acima do esperado anteriormente.
É o valor estimado pela Instituição Fiscal Independente para contingenciamento em 2021, para cumprir o teto de gastos
Inicialmente previsto para R$ 1.067, o salário mínimo acabou sendo ajustado para R$ 1.100. O motivo foi a alta de 5,45% no INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que é base para o cálculo de reajuste.
Além disso, o governo não enviou pedido para que as despesas do Orçamento fossem corrigidas pela inflação registrada em 2020.
Segundo a equipe econômica, a despesa prevista na proposta inicial do Orçamento sujeita ao teto de gastos já estava subestimada em R$ 17,6 bilhões. Deste valor, cerca de R$ 8,5 bi eram de gastos com a Previdência.
Risco de crime de responsabilidade
O Tribunal de Contas da União (TCU) acompanha o impasse sobre o Orçamento de perto. Técnicos do órgão defendem que seja feita uma análise do texto aprovado pelo Congresso.
O órgão de controle deve fazer um levantamento dos problemas que levaram ao imbróglio e cobrar informações da Casa Civil ou do Ministério da Economia.
O documento está vinculado a um processo de relatoria do ministro Bruno Dantas que acompanha os efeitos da pandemia no Orçamento da União.
Também houve reação de servidores do Ministério da Economia. Em nota pública assinada pela Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento, funcionários criticam as mudanças feitas no Orçamento.
Servidores cogitam ainda que pode ocorrer um "apagão de canetas", ou seja, funcionários da pasta se recusarem a assinar documentos do governo para evitar enquadramento por crime de responsabilidade fiscal.
Com a pressão aumentando, Bittar se comprometeu a reduzir em R$ 10 bi as emendas parlamentares. O recurso seria utilizado "para recomposições nas formas em que o governo federal entende adequadas", segundo documento enviado ao Palácio do Planalto.
Contudo, a medida ainda é considerada insuficiente pela equipe econômica. Paulo Guedes tenta negociar com a ala política do governo e com o Congresso para que emendas parlamentares sejam cortadas e usadas para recompor a verba para os gastos obrigatórios.