Alçado ao comando do Ministério da Saúde após atritos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com seus antecessores e mantido como provisório por quatro meses, o general Eduardo Pazuello assume nesta quarta-feira (16) como ministro efetivo.
Pazuello enfrentará o desafio de manter parte da estrutura criada no SUS para a pandemia da Covid-19 e a incerteza sobre o cenário futuro da doença.
Ele também se consolida no cargo confrontando a necessidade de dar respostas a outros problemas da saúde, como a queda na cobertura vacinal de crianças, além de lidar com medidas ainda em atraso na rede - caso da ampliação de testes para rastreamento do coronavírus.
Essa é a avaliação que fazem especialistas e secretários de Saúde ouvidos pela Folha de S.Paulo. A cerimônia que deve oficializar o general como ministro efetivo está marcada para 17h, no Palácio do Planalto.
A medida encerra um período de quatro meses em que o Ministério da Saúde estava sem titular, ao mesmo tempo em que o general já era visto como "provisório eterno".
Com a mudança, Pazuello se torna oficialmente o 48º ministro da área no país - e o terceiro em meio a pandemia do novo coronavírus, que já deixa 4,4 milhão de casos e 133 mil mortes desde fevereiro.
Inicialmente, Pazuello dizia que pretendia ficar no posto por apenas 90 dias. O prazo, porém, terminou em agosto. Enquanto isso, Bolsonaro já dava sinais de que pretendia mantê-lo no cargo.
Sem experiência em saúde, Pazuello buscou atender a demandas do presidente durante a gestão interina, a qual assumiu em 15 de maio após a saída de Nelson Teich, de quem era secretário-executivo. Na época, o Brasil ainda somava 218 mil casos pela Covid-19, com 14.817 mortes.
Assim que assumiu o posto, Pazuello repassou orientações para ampliação da oferta de cloroquina a pacientes com sintomas leves da doença, mesmo sem comprovação científica de eficácia.
Em seguida, atendeu a um pedido do presidente ao exonerar funcionários que assinaram uma nota sobre saúde das mulheres, interpretada de forma distorcida por Bolsonaro como aval ao aborto.
Recentemente, o tema também foi alvo de uma nova portaria da pasta, que passou a obrigar médicos a notificarem a polícia caso atendam mulheres que busquem interromper a gestação após serem vítimas de estupro.
Porém não só os acenos a demandas polêmicas do presidente marcaram os quatro meses de Pazuello como interino.
Sob seu comando, a pasta também chegou a retirar de painéis próprios informações sobre o total de casos e mortes pela Covid, o que levou veículos de imprensa a criarem um consórcio para divulgação dos dados. A situação fez a pasta perder credibilidade, segundo especialistas.
Se por um lado foi alvo de críticas por essas medidas, o ministro também ganhou apoio ao se aproximar de representantes de secretários estaduais e municipais de Saúde como estratégia para compartilhar decisões durante a crise.
Nesse sentido, gestores apontam que ele foi rápido em atender demandas de habilitação de leitos, por exemplo.
A situação fez parte do grupo ver com alívio a efetivação do general -o receio era que houvesse uma escolha ainda mais afastada das demandas do setor.
"Acaba aquele receio de que pode mudar e amanhã vai ter ministro novo", diz o secretário-executivo do Conasems, conselho que representa secretários municipais de Saúde, Mauro Junqueira.
Para ele, equilibrar medidas de combate à Covid-19 com a retomada de outros serviços na rede deve ser um dos principais desafios da gestão.
A avaliação é compartilhada por outros gestores e especialistas do setor. "O principal ponto de respostas é o debate do financiamento do sistema. Aumentamos a rede de atendimento, mas ela não tem financiamento adequado. Se mantém as regras atuais, não vamos ter teto para isso. E o que vamos fazer com novos leitos de UTI, vamos fechar?", questiona Carlos Lula, presidente do Conass, conselho que representa secretários estaduais de Saúde.
Ele lembra que, na pandemia, foram habilitados cerca de 13 mil leitos –ainda não há informação de quantos devem ser mantidos nos próximos meses.
Outro desafio, segundo Lula, é dar soluções para atendimentos que ficaram represados, como cirurgias eletivas, e aos efeitos indiretos da Covid.
"Também é preciso pensar o planejamento de campanhas de vacinação. Estamos com baixas coberturas vacinais, e o que vai ser feito?", questiona Lígia Bahia, sanitarista e professora da UFRJ.
Já para a epidemiologista Gulnar Azevedo, da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), ao mesmo tempo que já surgem outras demandas, falta ainda um plano integrado da pasta para enfrentamento a Covid-19.
"O fortalecimento tem de ser da vigilância, para diminuir a transmissão e monitorar com informação, e precisa de um plano que segure isso", afirma ela, segundo quem não há garantia de queda nas curvas.
"Se começar a liberar todo mundo, escolas, comércio, transporte, sem controle nenhum, o vírus vai voltar a circular e vai começar a ter novos surtos. É preciso ter uma medida bem articulada."
O ministério, no entanto, ainda não deu resposta a essas demandas ou se deve adotar novas ações.
Em reunião com gestores, Pazuello tem dito que pretende analisar o volume de recursos disponível para o próximo ano e a real necessidade da rede para incorporação definitiva de leitos.
Também afirma que pretende apresentar como plano de gestão nos próximos meses ao menos 14 projetos de ações em diferentes áreas, não ligadas à Covid, enquanto prepara estratégias para oferta de uma possível vacina contra a doença assim que estudos estiverem concluídos.
Em julho, a pasta firmou um acordo para obter 100 milhões de doses da vacina em desenvolvimento pela Universidade de Oxford com a farmacêutica AstraZeneca. O volume seria obtido por meio de transferência de tecnologia junto à Fiocruz.
Especialistas, porém, criticam a previsão de cenários otimistas para oferta da vacina e a falta de ações mais efetivas que garantam o controle da epidemia.
Para Lígia Bahia, da UFRJ, sem um ministro com experiência em saúde, a pasta tem mirado a resolução de demandas pontuais apontadas por estados e municípios, em detrimento do enfrentamento de problemas maiores de saúde pública.
"Existe um Ministério da Saúde para fins internos, mas não para a imprensa perguntar qual é o próximo passo", afirma ela, que questiona a decisão de efetivar o general no comando da pasta.
"Isso nunca aconteceu, nem nos governos militares. Mesmo quando não eram profissionais de saúde, eram civis. Até porque a saúde não é uma guerra, é uma política social."