Dez anos depois da primeira lei de transparência pública, o Brasil ainda não consegue cumprir o que diz a Constituição. Apesar dos avanços, informações básicas ainda são negadas ao cidadão, mesmo com a previsão de punição dos responsáveis e da existência clara de órgãos de controle no âmbito da fiscalização. No Ceará, o cenário não é diferente.
Em maio de 2009, foi determinada, em lei, a disponibilização, em tempo real, de informações sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Em 2012, nova legislação entrou em vigor e passou a obrigar a entrega física ou online de documentos públicos solicitados por qualquer cidadão brasileiro.
Cinco anos após a mais recente alteração na lei, em 2017, a organização independente Transparência Brasil elaborou um relatório apontando que quase metade dos principais órgãos do Estado Brasileiro descumpria a lei de Acesso à Informação e ignoravam pedidos de informação. O estudo sustentou que foram encaminhados pedidos de informação a 206 órgãos públicos de todos os poderes e esferas federativas.
Dos 206 órgãos, 93 (45%) não responderam. Outros 36 (17%) negaram acesso à informação, 47 (23%) concederam parcialmente e apenas 30 (15%) concederam integralmente o acesso à informação solicitada. Entre os órgãos que atenderam integral ou parcialmente o pedido, 73% compartilharam indevidamente dados pessoais de quem solicitou.
Apesar de publicado há dois anos, o relatório continua atual. O diretor-executivo da entidade, Manoel Galdino, relatou que os problemas continuam os mesmos em 2019, e que a realidade da transparência no Brasil permanece com gargalos a solucionar em todas as instâncias analisadas, principalmente quanto à fiscalização dos gastos públicos.
Ceará
Levantamento feito pelo Diário do Nordeste aponta que, dos 184 municípios do Ceará, 31 portais oficiais apresentaram falhas na publicidade das informações. Juntos, os gestores cometeram imprudências em pelo menos um dos pontos do que diz a Constituição: informações em tempo real, disponibilizadas no site; e a possibilidade de registro de pedidos de documentos que dizem respeito aos recursos públicos.
Em análise pormenorizada em todos os portais das gestões municipais do Ceará, no início do mês de junho, a reportagem identificou links fora do ar, cadastro de usuários inoperante, ausência de canais próprios de acesso à informação, publicações de informações desatualizadas, dificuldade de localizar o link para solicitar as informações, entre outros pontos.
Galdino aponta o cenário local como "grave", mas adianta que a realidade não difere de outros estados. "Ainda temos muitos municípios com várias dificuldades de coisas básicas na transparência. Às vezes, é até pior que isso, a partir da nossa experiência", relata o diretor da entidade.
Fiscalização
Procurado, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) relatou que "realiza a fiscalização sistemática, com periodicidade mensal, nos portais da transparência das prefeituras e câmaras" e que, "na fiscalização, verifica se as ferramentas de divulgação de informações públicas estão em conformidade com a Transparência da Gestão Fiscal, em atendimento à Lei de Responsabilidade Fiscal".
A Corte ressalta que a averiguação se os entes estão cumprindo a lei passa por pelo menos três obrigações e prerrogativas previstas na LRF: gestão fiscal, padrão mínimo de qualidade e publicações em tempo real. Caso o órgão deixe de cumprir ao menos uma vertente, responderá pelas irregularidades, explicou o gerente de Fiscalização de Operações de Crédito Externas e Tecnologia da Informação do TCE, Reuben Bezerra.
Confirmada a falha, entes ficam impedidos de receber recursos do Estado e da União, "impactando sobremaneira os convênios e as transferências voluntárias". Caso o gestor municipal não regularize a situação, as contas podem ser consideradas irregulares - o que inclui também as câmaras municipais.
Baixa demanda por informação
A maioria das prefeituras cearenses mantém os portais funcionando com êxito, segundo levantamento feito pela reportagem. São 153 no total. Apesar do avanço nos últimos anos, foi possível identificar o pouco acesso aos serviços por parte da população. A quantidade de usuários cadastrados para pedidos de informações, em geral, era baixa.
Em alguns casos, este repórter foi o primeiro a formalizar o cadastro para informação no município em uma tentativa de testar o funcionamento da plataforma, já que a contabilidade de usuários estava zerada. É o caso, por exemplo, do município de Ererê.
Na cidade de Itaitinga, o levantamento conseguiu identificar o maior número de usuários cadastrados entre os municípios do interior. Foram 93 registros. A média, porém, oscila entre 10 e 20. É raro identificar que a mesma quantidade de solicitações também é a mesma de respostas.
Há casos em que nenhuma solicitação feita pelo Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC) foi respondida. Dessa forma, o funcionamento da plataforma não é garantia de entrega das informações.
Diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino lamenta o baixo acesso aos serviços disponíveis e pontua que o obstáculo da informação é mais um desafio a ser conquistado pela sociedade brasileira.
"A gente percebe que o uso ainda é bem limitado a um grupo bem específico de pessoas, com maior nível de escolaridade, classe mais alta, jornalistas, mas nem sempre tem imprensa naquele município, a rádio geralmente é vinculada aos governantes e que não fiscalizam o Governo", destaca.
Galdino reforça que o poder da informação pode ajudar a população a conhecer o mecanismo que passou a ser um direito há poucos anos e que segue em processo de amadurecimento.
Prefeituras que apresentaram falhas:
Abaiara, Acarape, Aiuaba, Antonina do Norte, Aracoiaba, Barbalha, Bela Cruz, Caucaia, Chorozinho, Cruz, Guaiúba, Guaramiranga, Ibaretama, Iguatu, Itapajé, Itatira, Marco, Mauriti, Palhano, Palmácia, Parambu, Penaforte, Pereiro, Quiterianópolis, Quixadá, Quixelô, Russas, São Gonçalo do Amarante, Solonópole, Tauá e Uruburetama.