Informação e saúde

Talvez não haja, na história recente, um momento em que a informação mais pode salvar vidas como agora, de tempo pandêmico. Onde foi aplicada a informação mais científica, portanto correta, menos pessoas morreram, embora óbitos às dezenas só possa não parecer muito diante de números como o do Brasil, de 210 mil mortos. Uma tragédia que, assim como nos Estados Unidos (mais de 400 mil mortos), passa pela desinformação. 

De tudo o que já se sabe do coronavírus, e até das várias vacinas aprovadas ou em curso pelo mundo, é fato que não há evidências científicas de eficácia de tratamento precoce, como uso de cloroquina e ivermectina. Pelo contrário, até mesmo a pesquisa mais usada como base dos adeptos desses medicamentos teve o seu principal autor, o médico francês Didier Raoult, admitindo que seu estudo apresentava equívocos, conforme apontavam seus críticos. 

Também é fato que, em meio à divulgação precipitada do Ministério da Saúde, e do próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido), muitas pessoas tomaram cloroquina (receitada por seus médicos ou não), e concluíram que suas melhoras se deviam ao medicamento. Como se num efeito placebo, não se percebia que a melhora viria mesmo sem o medicamento pelo simples motivo de que, pelo que se sabe até agora, cerca de 80% dos infectados terão sintomas leves ou não apresentarão sintomas.

Além de poder gerar fortes efeitos colaterais, o suposto “tratamento precoce” ainda criou um outro efeito nos usuários: a falsa proteção. Não bastasse toda a dificuldade de mudança no comportamento social das pessoas, para que usem máscara e álcool em gel, o uso da cloroquina foi, para muitos dos usuários, uma alforria às medidas de biossegurança, muito embora até mesmo após a vacinação tais medidas precisarão ser mantidas, até que a imunização possa ser universalizada. Até em Manaus morreram pessoas que em algum momento fizeram uso da Cloroquina. O desastre do lançamento do aplicativo TrateCOV, que recomendava o uso de cloroquina até para bebês, ilustra a falta de logística pelo Governo Federal.

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em diversas oportunidades, defendeu o “kit covid”, reforçando para a ideia do “tratamento precoce” como combater a pandemia. Afirmou, em 22 de outubro, ter ficado “zero bala” depois que tomou o “kit completo”. Poucos dias depois precisou ser internado por complicações da Covid-19.

O curioso é que os maiores defensores do tratamento precoce sem eficácia comprovada são críticos do percentual de eficácia das primeiras vacinas contra a doença até então produzidas. Essa contradição revela, portanto, que tais divisões não se trata de racionalidade lógica, mas de escolha política. O risco de tudo isso é mortal, potencializado quando autoridades constituídas se arvoram de defender o insustentável.

As principais autoridades científicas no mundo afirmaram diversas vezes que não há alternativa terapêutica contra a Covid-19. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reafirmou o mesmo. Por isso, a vacina é tão importante e, antes dela, as medidas de biossegurança. Não podemos perder tempo nem vidas com a desinformação arbitrária.