A expectativa dos estudantes às vésperas da realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é marcada por um intervalo de um ano e dois meses em relação à última prova. Quando a edição passada aconteceu, era novembro de 2019 e é razoável formular que o mundo era outro, pré-pandemia do novo coronavírus. Todos os inscritos no exame têm, agora, o desafio de provar o que estudou, nos próximos dias 17 e 24 de janeiro, enquanto ainda digerem as mudanças e tensões de uma situação social de isolamento, de perdas diversas e de riscos à saúde e à própria vida.
Os candidatos a uma vaga nas universidades precisaram lidar com um expediente de estudo delicado, desafiado pelas incertezas que pairam a vida de todos no País desde março de 2020, e ainda pela dificuldade de assimilação do conteúdo da prova - considerando que alunos das redes públicas e privadas tiveram de se adaptar ao ensino remoto.
A pressão dos estudantes para realizar a prova é estimulada pela própria fase de vida que os jovens atravessam. A maioria deles passa pelo exame em plena reta final da adolescência e início da fase adulta. E se é uma etapa complexa para quaisquer adolescentes, independentemente da classe social, para os alunos de escola pública o cenário é ainda mais vulnerável. Na próxima quinta-feira (14), o documentário "Atravessa a Vida", do cineasta João Jardim, chega aos cinemas e joga luz a essa realidade, com foco no processo de véspera do Enem de 2018, junto a estudantes do pré-vestibular do município de Simão Dias, interior de Sergipe.
A cobrança por um bom desempenho no Enem, para os jovens ouvidos pelo documentário, envolve mais do que um passo bem dado em direção à inserção no mercado de trabalho. Alguns se cobram de ajudar no sustento da família, repleta de dificuldades materiais e também de ordem afetiva. E outros têm dificuldade de acreditar na própria capacidade de se sair bem na prova, à revelia da dedicação pessoal aos estudos, dada as disparidades regionais e entre o ensino público e o privado em todo o País.
No Ceará, na reta final antes do Enem, 34 (de um total de 728) escolas estaduais saíram da transmissão exclusiva de conteúdo a distância e passaram a ofertar aulas presenciais com conteúdos direcionados à prova. Uma reportagem do Diário do Nordeste apurou que a mudança deu novo ânimo aos estudantes, pela própria falta que esses jovens vinham sentindo do convívio entre colegas e professores. A voz da juventude ainda sinalizou como foi difícil conciliar estudos, a solidão do ensino remoto, o desenvolvimento da pandemia, e ter o equilíbrio necessário para escolher um curso pelo qual almejam uma vaga na universidade.
Diante de tantas cobranças nas mãos de quem, em sua maioria, ainda está em formação, resta à sociedade (e sobretudo aos pais e responsáveis por essa juventude) reconhecer que esse caminho rumo à universidade precisa do amparo familiar e da compreensão também do poder público. O adiamento da prova de 2020 foi o mínimo a ser feito por esses jovens que, em grande parte, estão lidando com um grande "salto" de responsabilidade na vida. Algo não tão simples de ser digerido quanto parece.