Editorial: Brasil, China e comércio

Surpreendendo o Ocidente, 14 nações da Ásia, tendo como protagonista a China, celebraram domingo, 15, o que a mídia internacional vem chamando de “o maior acordo de livre comércio do mundo”. Entre os que o assinaram incluem-se países sob influência direta dos Estados Unidos, como Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Indonésia, Filipinas, Vietnã e Japão. Os japoneses têm, historicamente, com os chineses um contencioso bélico mal resolvido até hoje, mas isto foi olvidado em benefício do pragmatismo dos signatários e dos interesses de cada país envolvido.

O tratado, que prevê, por exemplo, redução de tarifas para as exportações japonesas, envolve como beneficiado um terço da população do planeta. De acordo com os analistas, o acordo, à primeira vista, reduzirá a influência norte-americana no continente asiático.

Este é um perfeito e acabado exemplo de como as relações políticas e comerciais entre os países – sejam eles socialistas ou capitalistas – são movidas por interesses e não por ideologia, principalmente agora, quando as nações, seus governos e seus habitantes interagem em tempo real, usando a instantaneidade da comunicação digital.

Esse acordo, anunciado na manhã de ontem, põe luz no projeto do Governo do presidente chinês Xi Jiping, que pretende liderar não somente a economia da Ásia, o que já acontece, mas estender essa liderança a outras partes do mundo. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cuja reeleição acaba de ser rejeitada, contribuiu, nos últimos quatro anos, para a deterioração das relações do seu país com a China. 

Com o discurso de “America First”, Trump também incentivou os governos de nações aliadas, como o Brasil, a adotarem atitudes antichinesas.

Na tradição da geopolítica, sempre são os interesses comerciais que prevalecem sobre as relações diplomáticas. É uma lição incontornável que o Itamaraty jamais pode esquecer. 

A China é a segunda economia do mundo, caminhando a largos passos para tornar-se a primeira, graças ao pragmatismo adotado por quem, na sua época (1976 a 1997), observou para onde caminhava o mundo – o líder Deng XiaoPing, que criou e pôs em movimento o modelo exótico vigente, que abriu o seu mercado para o capital estrangeiro, mantendo, porém, o centralismo político, com partido único. 

Hoje, o presidente Xi Jiping, avançando nas ideias de XiaoPing, executa seu projeto de longo prazo, que, em resumo, tem o objetivo de devolver a China às suas grandiosas origens (Henry Kissinger diz, no seu livro “On China” que, para os chineses, tudo o que está sob o sol pertence à China). 

O Brasil deve ser, também, pragmático. Isto significa tomar a iniciativa de buscar novos grandes parceiros para celebrar com eles acordos de livre comércio. Com os EUA, seu mais tradicional aliado comercial e político, o Governo brasileiro tem nenhum acordo comercial que atenda bem aos seus interesses. A China, por outro lado, com um cofre cheio de dólares em busca de bons lugares para investi-los, é uma boa alternativa. Os chineses já são o principal parceiro comercial do Brasil, que lhes vende matérias-primas e muito pouco produto manufaturado. Eis, pois, a hora de fazer bons negócios com os asiáticos.