É estarrecedor, mas não surpreendente, o levantamento da Rede de Observatório de Segurança apontando que 87% dos mortos por intervenção policial no Ceará são negros. Os números são altos em todos os cinco estados levantados e só não causam surpresa porque apenas reafirmam a sequência de anos em que a letalidade é maior para pretos e pardos. O índice alarmante, porém sistêmico, mostra que não há outra saída que não seja combater o racismo estrutural e secular em nosso País, e isso passa pela reformulação do modo de operação das polícias.
De cada quatro pessoas brancas mortas pelas forças de segurança do Ceará, outras 27 são negras, conforme o levantamento. A abordagem às pessoas pretas mostra um vergonhoso quadro de desigualdade, em que a morte é apenas a consequência mais extrema - pois a violência física, mesmo quando não termina em morte, também atinge mais os negros cearenses.
Mas atendo-se somente à letalidade, conforme o recorte do estudo recente, podemos lembrar do caso do menino Juan Ferreira dos Santos, de 14 anos, morto em setembro de 2019, durante abordagem no bairro Vicente Pinzón. O policial responsável pelos disparos foi identificado e autuado em flagrante, mas resta saber se houve punição exemplar. Em fevereiro deste ano, o jovem Jardeson Rodrigues Martins, de 21 anos, também morreu durante abordagem.
Esses dois casos, emblemáticos, são apenas aqueles em que a força das testemunhas e das evidências pressionaram as apurações de inquérito. Se sairmos do Ceará, o caso de João Alberto Silveira Freitas, morto em um supermercado após ser imobilizado por um segurança da loja e um PM que atendeu à ocorrência, teremos um exemplo de que não se trata apenas de violência policial limitada às periferias - o que por si só já reflete também a imensa desigualdade, com tratamentos diferenciados nas ditas áreas nobres, mas uma mostra de que, em qualquer ambiente, a cor preta está mais sujeita aos reflexos do racismo estrutural no Brasil. Se sairmos do País, vamos lembrar o caso de George Floyd, morto em maio deste ano nos Estados Unidos, que deu início à campanha “vidas negras importam”.
Quando uma mesma cor é o principal alvo dos tiros certeiros, joelhadas asfixiantes e de balas perdidas, não é possível, para toda a sociedade, encarar com indiferença, já que são tragédias. Tampouco se trata de uma questão de classe - basta ver os casos de racismo no futebol envolvendo as estrelas da bola, como Neymar e, recentemente, na partida da Liga dos Campeões, na Europa: o quarto árbitro da partida, Sebastian Coltescu, proferiu uma ofensa racial a Pierre Webó, ex-jogador e assistente técnico do Istambul Basaksehir, que disputava com o PSG. O que sucedeu foi um momento histórico: atletas de ambos os clubes deixaram o campo em protesto.
É salutar que possamos perseguir a igualdade e o tratamento isonômico, não importando cor, gênero, orientação sexual ou religiosa. Mas não será dizendo que são ‘fatos pontuais’ ou ‘isolados’, e não sistemáticos, ou apenas relativizar que “todas as vidas importam”. O racismo estrutural só será um problema do passado quando não negarmos sua existência e decidirmos combater, como sociedade.