Em um país que viveu quase 400 anos de escravidão legalizada, ainda é um desafio fazer a sociedade, de forma geral, entender que os direitos trabalhistas precisam ser garantidos e que não há cultura capaz de legitimar a exclusão de direitos humanos básicos previstos não só na Constituição Brasileira, como também em documentos internacionais assinados pelo Brasil.
O combate ao trabalho escravo ainda precisa ser um esforço constante e diário para que as pessoas compreendam o que caracteriza as situações de exploração e quais são os direitos no ambiente de trabalho. Dessa forma, haverá ferramentas para que se possa denunciar, pressionar e se organizar coletivamente contra as diferentes formas de exploração.
O Ceará é o terceiro estado do Nordeste com o menor número (608) de pessoas localizadas em situação de trabalho escravo contemporâneo desde que a condição foi reconhecida no Brasil, em 1995. Em 2020, não houve nenhum registro.
Sabe-se, no entanto, que, entorno das circunstâncias de trabalho análogas às de escravo, há muita subnotificação e casos que fogem aos padrões mais expostos, como o caso de Madalena Gordiano que, desde os oito anos de idade, e durante quatro décadas, foi empregada doméstica de uma família abastada, em Minas Gerais, sem direito a salário, remuneração ou férias. O caso tornou-se público no início deste mês de janeiro.
No Brasil, desde 1995, foram encontradas 55.712 vítimas em circunstâncias de trabalho análogas às de escravo, segundo o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, compilados pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia.
As atividades econômicas que concentraram as irregularidades foram o cultivo de café, a produção de carvão vegetal, o comércio varejista, o cultivo de cebola e a montagem industrial. Em 2020 prevaleceram as ocorrências de trabalho escravo no meio rural. Já o trabalho escravo urbano teve 211 vítimas em atividades econômicas, dentre elas pessoas em trabalho escravo doméstico - um dos focos de atuação do Ministério Público do Trabalho em 2021.
A crise econômica e social que se agrava no País diante da pandemia da Covid-19, com o aumento no índice de desemprego e das pessoas em extrema pobreza, tem impactos diretos na situação do trabalho escravo. O perfil já identificado das vítimas é de indivíduos em situação de vulnerabilidade socioeconômica, com baixa escolaridade, oriundas das regiões mais pobres.
Assim, quanto mais difícil está a situação econômica, mais cai a média da empregabilidade e das oportunidades de geração de trabalho e renda e, assim, muitas pessoas se tornam vulneráveis a falsas ofertas de trabalho e sujeitas à situação de exploração que pode caracterizar o trabalho escravo.
O primeiro desafio no combate a esse crime diz respeito à dificuldade de fiscalização. Por isso, é fundamental que a população saiba identificar as situações análogas ao trabalho escravo, como privação do direito de ir e vir, ameaças e violências físicas e psicológicas, condições degradantes e servidão por dívida, e denuncie ao Ministério Público do Trabalho. Acabar com o trabalho análogo à escravidão é elevar o patamar civilizatório de um país.