As cenas de torcedores de futebol em aglomerações festivas flagrando e denunciando, indignados, as presenças de jogadores de seus clubes nos mesmos ambientes e com risco de serem infectados com o coronavírus são sintomáticas do que é prioridade para muitos brasileiros. E mostra que não é por falta de consciência dos riscos, mas uma escolha deliberada, e mortal, de que se pode “pegar Covid”, desde que o jogador do seu clube, não. O que não se percebe da natureza de uma pandemia é que todo aquele que desrespeita as regras sanitárias está contribuindo para o aumento dos casos nos lugares inimagináveis, seja desfalcando um clube por um jogador infectado ou mesmo a morte de um parente querido com o qual nem se teve contato direto.
O vírus não vê muros, exceto quando há barreira sanitária, seja com vacina, a mais eficaz, mas a qual ainda não temos disponível, ou com obediência ao isolamento social, este que é desrespeitado por jogadores e torcedores, por exemplo. No caso mais recente, um jogador do Fortaleza Esporte Clube foi flagrado em um vídeo. Parece não perceber que pior que perder uma partida, ou até o campeonato, é perder a vida.
Mas o caso do futebol é mera ilustração de um retrato maior: perigo é a aglomeração dos outros. Não faltam relatos, indignados, de pessoas que foram às praias ou restaurantes e criticaram a existência de muitas outras pessoas nas praias e restaurantes. Para que haja aglomeração, basta que várias pessoas pensem em ir para o mesmo lugar.
As liberações nos decretos estaduais pelo País mostraram-se ineficazes em alguns casos - basta olhar para Manaus, no Amazonas, onde lockdown e isolamentos foram combatidos até pelos poderes públicos instituídos - mais que crítica, a situação de superlotação nos hospitais e falta de insumos está trágica. O que a pandemia tem deixado claro é que aglomeração nas ruas (ou em ambientes fechados, no que inclui a própria casa das pessoas) é a página anterior à aglomeração nos hospitais, essa dramática e, na maioria dos casos, involuntária crise.
O que o torcedor-fiscal não vê, ou não quer perceber, é que o jogador que, incorretamente, desrespeita as medidas de isolamento, está reproduzindo o movimento deliberado de muitos, no que inclui a torcida, de esquecer que estamos em plena pandemia. O decreto da Prefeitura do Rio de Janeiro liberando acesso de torcedores aos estádios de futebol é apenas uma das muitas contradições em que o esporte poderá dar o exemplo - ou poderia, já que o prefeito Eduardo Paes afirmou, na última quinta-feira, 14, que revogará decreto, admitindo ser impossível fazer a fiscalização.
Estamos às vésperas do início de uma vacinação que requer uma logística sem precedentes para alcançar o maior número possível de pessoas antes da contaminação pela Covid-19. Embora com atraso - visto que mais de 10 grandes países já iniciaram a imunização de suas populações, é um horizonte positivo. Poderíamos dar o exemplo mantendo a conscientização sobre os cuidados sanitários. Cuidar é não esquecer a gravidade da pandemia. É necessário alertar para que os outros façam isolamento, lavem as mãos e higienizem utensílios. A primeira fiscalização, no entanto, é de si para si.