Nessas últimas semanas, Fortaleza protagonizou cenas de racismo em estabelecimentos comerciais. O caso que envolve a delegada negra Ana Paula Barroso, impedida de entrar em uma loja sem explicação do porquê da proibição, e o do cerceamento do acesso da adolescente negra, Mel Campos, a outro shopping, sob acusação de ser pedinte.
Tais fatos desnudam, querendo ou não, nossa sociedade racializada, em que as condições de subalternidade e de privilégio estão distribuídas entre os grupos raciais, norteando atitudes e as dinâmicas sociais. Demarcam o traço histórico de um País que desprezou e ofuscou a questão racial. E tem insistido que, quando há discriminação, é sempre um problema social, colocando a dúvida se foi mesmo racismo.
Vale refletir sobre o que há em comum nesses dois casos que ganharam publicização. O fato reside em que as pessoas envolvidas estão entre os extratos econômicos mais elevados, portanto, o problema não é social, é racial. A delegada e adolescente não estão na base da pirâmide social. Contudo, mesmo pertencendo a grupos que ascenderam profissionalmente, continuam vulnerabilizadas, expostas e correm risco de sofrer abordagens violentas guiadas pelo racismo.
Diferentemente do que se possa supor, o racismo acontece todo dia, de forma sistêmica e estrutural. Não é apenas problema de ordem individual de algumas pessoas que, por problemas psicológicos, são preconceituosas, e esporadicamente ousam discriminar. Assim, a explicação desses atos criminosos parte de uma concepção individualista, restrita à ordem comportamental.
Acreditar que o racismo só acontece nas relações interpessoais, sem desdobramento nas relações econômicas, políticas e sociais é um grande equívoco.
No Brasil, tem sido uma tarefa árdua provar um ato racista, e isso se dá porque a sociedade tem naturalizado, silenciado e individualizado os casos, interditando a denúncia. Os argumentos utilizados giram em torno da dúvida ou negação do racismo, amenizando os impactos e culpabilizando quem sofreu a discriminação racial. Chegam a dizer que foi um equívoco ou uma brincadeira pesada, que não foi bem o que se quis dizer ou fazer. Desvirtuando o verdadeiro ato criminoso.
Perdura a falta de reconhecimento formal das responsabilidades, ausência de ações indenizatórias por parte dos atores, instituições, empresas que cometem esse crime e seguem se beneficiando do legado da escravidão.
Têm importância as ações de responsabilização e reparação, dentre outras iniciativas apontadas pelo relatório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (2021) para acelerar o ritmo de ações de enfrentamento ao racismo, como reverter a cultura de negação do racismo, garantir que as vozes das pessoas afrodescendentes e daquelas que se levantam contra o racismo sejam ouvidas, tendo suas queixas e preocupações atendidas.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.