Festa de Iemanjá e a Umbanda cearense

Desde a década de 1960, a Umbanda cearense realiza a Festa de Iemanjá no dia 15 de agosto, assumindo caráter de festa pública. Para as religiões Afro-Brasileiras, a festa possibilita a unidade entre os praticantes, a aproximação com o divino, o reencontro do humano com o sagrado. Privilegiam a música e a dança, evocam pelos sons dos atabaques e dos pontos cantados as entidades que vêm a terra para festejar. Nessa data, é feriado na cidade – não por ocasião da Festa de Iemanjá, mas por ser o dia de Nossa Senhora de Assunção, padroeira de Fortaleza.

Não fosse a pandemia de Covid-19, para alegrar a Grande Mãe, os adeptos e simpatizantes levariam as oferendas para o mar: flores, perfumes e muitos presentes para a “Dona de todas as cabeças”. Por enquanto, acontecem de forma virtual. É possível crer que, entre os agradecimentos e súplicas, estão a gratidão pelos cuidados e a proteção à saúde neste momento de alta transmissão do novo coronavírus, mas também os pedidos à deusa das águas e rainha do mar, que lhes encham de axé e coragem para resistirem aos constantes ataques, ancorados no histórico de marginalização como culto, ao tratamento pejorativo e ofensivo às religiões de matriz africana em todo território nacional, sendo alvo do racismo religioso.

Atualmente, com o aumento do autoritarismo e conservadorismo, tem-se o acirramento da violência contra as comunidades afro religiosas. São os feitos danosos do racismo religioso, que vão para além de práticas de intolerância, guardam raízes mais profundas com o colonialismo e a escravidão. Essas religiões, embora dela participem diferentes grupos étnicos, contou com a maior presença da população negra. As perseguições entrecruzam as dimensões de raça e religião, são grupos racializados de forma subalterna e demonizados por praticarem cultos associados ao mal.

O racismo religioso se revela por meio de agressões, preconceitos, discriminações inscritas sob forma de discurso de ódio, fake news quanto seus rituais e símbolos sagrados, linchamentos na internet, depredação dos terreiros, violência física e psicológica aos pais e mães de santo e adeptos. Tais atos criminosos ocorrem tanto nas relações interpessoais, como nas instituições sociais. Como todo racismo, é estrutural.

As comunidades afro religiosas têm sido invisibilizadas ou vistas de modo negativo. Passado mais de 50 anos dessa festa à Iemanjá, continua prevalecendo uma visão da Umbanda como culto inferior. O apagamento e silenciamento não contribuem com o reconhecimento e valorização de sua história e memória. Como religião de cunho popular, fortalece os sujeitos que nela creem para melhor viver diante dos problemas da vida.

Tem importância a promoção de uma convivência intercultural e religiosa, dando voz às religiões discriminadas, por meio de práticas respeitosas e de humanização do pluralismo religioso.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.