Derramo um Orós a cada triunfo das Bias e Rebecas em Paris. Um chororô permanente, olhos sempre marejados. Muitas vezes, nem precisa de medalha. Basta a boniteza da tentativa.
Como não se emocionar, por exemplo, com a piauiense Juliana Viana. Desbravadora, ela conquistou a primeira vitória do Brasil em uma partida no badmínton feminino, esporte que só agora começa a ser conhecido no país. Bravíssima. Tem a força do Maria Isabel, patrimônio gastronômico de Teresina.
Derramo um Carnaubal a cada épico. Sangue de Cratéus tem poder olímpico. Emocionante a prata de Caio Bonfim na marcha atlética. Resultado da teimosia de quem tem origem no sertão cearense — o pai do rapaz, João Sena, é da capital do Oeste. Quem me trouxe a notícia foi o Chico Pascoal, contista crateuense também “exilado” aqui, na Paulicéia.
Derramo um Orós, um Germinal, um Castanhão, um Banabuiú... a cada saga desses atletas que apostam uma vida nessas pelejas mundo afora. Das primeiras disputas escolares às Olimpíadas.
Um Malcozinhado de lágrimas — agora lembro o marzão lá de Cascavel — para cada derrota, cada “quase”, aquela conquista que não veio por uma peinha de nada.
Nessas horas bate a raiva e o resmungo. Saio do aguaceiro para as “Vidas Secas” de Graciliano.
O Velho Graça estrebuchava contra o futebol e os esportes da moda. Na visão do alagoano, o Brasil era o país da rasteira, da pernada no outro, nada mais. Repare na sua tese:
“A rasteira! Este, sim, é o esporte nacional por excelência! Todos nós vivemos mais ou menos a atirar rasteira uns nos outros. Logo na aula primária habituamo-nos a apelar para as pernas quando nos falta a confiança no cérebro — e a rasteira nos salva. Na vida prática, é claro que aumenta a natural tendência que possuímos para nos utilizarmos eficientemente da canela. No comércio, na indústria, nas letras e nas artes, no jornalismo, no teatro, nas cavações, a rasteira triunfa”.
Derramo um riacho do Navio a cada triunfo. Um rio Pajeú a cada história bonita, um São Francisco a cada nova possibilidade. Importante é saber que por trás de cada pódio ou cada queda há uma saga.
Há praticamente um romance. Como no belo livro “Esforços Olímpicos”, de Anelise Chen, uma escritora de Taiwan que vive em Nova York.
Olha só esse trecho, leia com paciência, vale muito a pena:
“Uns anos atrás, quando ouviu falar que minha pesquisa tinha ênfase em esporte, um colega me contou uma anedota sobre um patinador de velocidade olímpico que, momentos antes de sua corrida, fica sabendo que a irmã que ele amava morreu de câncer. Conhecendo o gênero de história, seria de imaginar que ele partiu para uma vitória certa.
Ao invés disso, o patinador cai, não uma, mas duas vezes, e fica lá, no gelo, cobrindo o rosto com as mãos. Só seis anos mais tarde o patinador, obedientemente, leva a história à sua conclusão “natural” triunfando onde antes havia fracassado. Depois de conquistar a medalha de ouro, ele levanta sua recém-nascida no ar enquanto circula pelo ringue e numa volta olímpica há muito adiada.
Apropriadamente, ela foi batizada com o mesmo nome da irmã. [...] A lição aqui parece bastante simples. Mesmo depois do desastre nos deixar imobilizados no gelo, ainda temos a opção de ir em frente. Enquanto você se recusar a desistir, ainda é possível vencer. [...] Talvez seja por isso que escolhi estudar esportes. Pode ser que eu tenha acreditado que o esporte fosse me salvar do cinismo”.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.