Autoritarismo na arbitragem

Onde está na legislação esportiva o dispositivo que dá ao árbitro o direito de proibir a sagrada arte do drible nos campos de futebol? Fiz essa indagação depois que o senhor Jérôme Brisard, árbitro nascido na libertária França, esqueceu os princípios fundamentais de seu país - Liberdade, Igualdade, Fraternidade - e passou a ser ditador como os piores dos regimes de exceção. Um censor que resolveu por sua conta brecar a livre manifestação dos artistas da bola. A liberdade de expressão ultrajada em pleno coração de Paris, Cidade Luz. O Estádio Parque dos Príncipes sofreu um apagão na terra do Iluminismo.

É inadmissível Neymar ser advertido com cartão amarelo porque tentou aplicar a chamada lambreta no adversário. Se Neymar tivesse humilhado o marcador, tudo bem. Se tivesse buscado a desmoralização do oponente, o árbitro poderia adverti-lo. Jamais pelo lance legítimo, correto, cheio de criatividade, arte pura, executado pelo talento de um atleta excepcional. Desta vez, o protesto do Neymar fez sentido. Defendeu com veemência o direito de exibir sem amarras ou limites a essência do que ele tem de melhor.

Banho de bola

Em 1956, Inglaterra 4 x 2 Brasil, em Londres, o inglês Stanley Matthews, de 41 anos, deu um baile em Nilton Santos. Tantos dribles que Nilton desabou no gramado. E ninguém entendeu que Matthews estava desmoralizando Nilton. O árbitro francês, Maurice Guigue, respeitou a liberdade de Matthews.

Show

Garrincha, na Copa de 1958, foi protagonista dos três minutos iniciais mais fantásticos das Copas. Arrasou com dribles geniais os soviéticos. Enlouqueceu os adversários. Por uma coincidência, apitou o jogo o mesmo árbitro francês, Maurice Guigue. Este, tal como fizera com Matthews, deixou Garrincha livre para mostrar ao mundo a sua arte.

Coincidência

Foi também o francês Guigue que apitou a final da Copa de 1958, quando o Brasil se sagrou campeão do mundo, ganhando da Suécia (2 x 5). Garrincha mais uma vez arrasou com dribles geniais. O francês Guige, sintonizado com os princípios da Liberdade, Igualdade e Fraternidade de seu país, diferente de seu compatriota Jérôme Brisard, mais uma vez deixou Garrincha mostrar ao mundo a sua arte.

A bicicleta, que Leônidas da Silva inventou; o cordão nos pés de Rivelino, tri-mundial no México; o drible da foca, inventado pelo mineiro Kerlon; o drible da vaca; a lambreta, de Neymar. Arte pura. Já imaginaram se todos os árbitros pensassem como Jérôme Brisard? A arte dos atletas estaria banida dos campos de futebol.

Nota zero para os árbitros arrogantes. Zero para os que querem aparecer mais que os atletas. Zero para os seguidores de Jérôme Brisard. Zero aos amaldiçoados que querem o fim das artes no futebol. A estes sugiro que procurem outra profissão. E deixem de levar para os campos de futebol as suas frustrações.