Poderia não ter acontecido. Qualquer coisinha pequena alteraria nossas rotas e não nos encontraríamos, eu e você, no dia certo, na hora certa. Bastaria um pneu furado; um meteoro a caminho da terra; uma dor de cabeça; uma chuva forte inundando tudo; greve de ônibus, caminhão tombado; pé quebrado; confusão no trânsito; apendicite; tsunami; dentre trincando, o planeta é pleno de possibilidades para desviar os rumos, mas acima de tudo há o fado, o destino, o acaso. Nenhuma vida é previsível. Naquele dia eu e você não sabíamos que conhecer um ao outro mudaria completamente o que estava por vir.
Quando duas pessoas se juntam, o mundo muda. Esta frase é do Julian Barnes. Ele escreveu também que os dois, muitas vezes, não percebem no momento do encontro que há uma transformação definitiva em curso. Coisas revolucionárias acontecem aos distraídos, aos que se ocupam com bobagens enquanto algo está prestes a eclodir, ebulir, suspender tempo e espaço. E foi assim, comigo e com você, um novo dia amanhecia e a gente nem percebeu.
Quando duas pessoas se juntam o mundo muda, mas só se esse for mesmo o encontro certo, o par destinado a abrir uma nova estrada, bela e clara, na mata escura da desesperança. Uma das maneiras de saber se um é pra ser mesmo do outro é observar a semelhança dos sonhos. Quando são parecidos, a luz acende forte e ilumina as incertezas. No nosso caso eles se misturam e confundem no mesmo tom, um sonho dentro do sonho, nem sabemos mais quem começa e termina as narrativas das nossas ilusões.
Se estar apaixonado não fosse essa felicidade absurda que adormece o juízo, por uns tempos, não haveria ser vivente com coragem de atravessar a tal mata escura de mãos dadas. Amar é contrato de risco, uma faca rasgando o chão pra marcar que, a partir daquele traço, a vida será outra. O espanto está no fato de que não há quem possa dizer o que vai acontecer com um amor que começa, se vinga ou não, se vai durar, se um vai fazer o outro feliz. Não há garantias, é só a luz da alegria diante da sombra do medo, de boca aberta, travando batalhas pequenas e imensas, até que um engula o outro de vez.
Toda decisão pelo amor é uma súplica pela felicidade, por isso as pessoas se entregam sem pensar. Amar é a gente pedindo umas horinhas de sossego todo dia, uma trégua da luta. É a gente aprendendo várias formas de alegrar a vida com coisas pequenas, florindo as horas mortas, entre as pedras, mirando o impossível, dando alguma ordem ao caos do nosso tempo e construindo uma casa simbólica para guardar o coração cansado.
Esse dia dos namorados não vai ser como planejamos. Quando você sair do hospital, aí sim, vamos comemorar o dobro. Vamos inventar uma nova data, o Dia dos Corajosos. A coragem é a irmã do amor, duas coisas que não nos faltam. Não tem vírus que abale uma paixão que já começou desviando meteoros. Amar também é vestir as roupas de guerra, um pelo outro, sempre que for preciso; desafiar a doença e a morte, pandemia e vírus, acender a luz da alegria quando tudo for escuridão. O amor é a verdadeira revolução.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.