Depois de tantos anos afastado do Teatro, em 2024 retorno aos palcos com um novo espetáculo: Pequeno Monstro. A última vez que entrei numa sala de ensaios como ator foi em 2012. Lá se vão 12 anos. Mas agora, finalmente, conseguirei pôr em prática o meu desejo de seguir como trabalhador de teatro.
Com estreia para o mês de junho, o espetáculo segue a mesma linha de pesquisa das outras peças que fiz. Começa com uma inquietação pessoal sobre um determinado tema, algo traumático para um indivíduo, mas que geralmente se caracteriza como uma dura realidade coletiva.
Sempre fiz questão de ter uma dramaturgia capaz de causar identificação, um texto que tem necessidade de ser debatido também fora dos palcos e que, por meio de tecnologias lúdicas, artísticas, provoque uma reflexão mais profunda e urgente.
Dessa vez, o tema principal é sobre violência social a partir da formação de uma criança que foge a regras e padrões construídos na sociedade e que, portanto, é constantemente violentada e tem seu corpo e suas atitudes engessadas. Mas toda a pesquisa acerca dessa temática e todo o processo criativo da sala de ensaio me fez ser pego de surpresa ao me questionar sobre os tipos de gays.
Se pensarmos num recorte de tempo, há 25, 30 anos, tínhamos a imagem de um homem gay construído a partir de comportamentos mais rígidos no gestual, no tom de voz e na exposição de seus desejos, salvo as mais afeminadas. Se voltarmos um pouco mais no tempo, uns 60 anos, encontraríamos um corpo ainda mais carregado de traumas, de vergonha e de medo, que sequer cogitava assumir sua sexualidade.
Já nos tempos de hoje, a realidade mudou muito. Há uma formação mais livre, mais aberta, menos medrosa que, apesar de não estar salva das violências verbais e físicas, segue menos assustada com sua sexualidade, com referências, com informação, principalmente por conta das redes sociais.
Termos “bixa”, “viado”, “mulherzinha” e tantos outros adjetivos usados com violência em outros tempos, hoje possuem menos peso, muitos foram ressignificados, usados, inclusive, como meio de empoderamento.
Pintar unhas, desmunhecar, cruzar as pernas, encontrar mais cores nas roupas, andar “dando pinta”, jogar vôlei, brincar de bonecas, pular elástico e várias outras ações prazerosas e divertidas talvez não despertem mais tanto desconforto ou gatilho para um menino, um adolescente ou até mesmo um adulto em 2024.
É nítida a imensa diferença e o salto que se deu rumo a uma libertação. Sinto isso na pele, com meus 42 anos. Desses, passei metade da minha vida mentindo pra mim mesmo, me escondendo. E ainda que hoje eu viva plenamente, a insegurança de ser quem somos segue firme. Como diz João Silvério Trevisan: “os doces mudam, mas as moscas continuam as mesmas”.
Nos dias de hoje, um menino afeminado ainda pode ser morto por lavar a louça, um jovem que demonstra afeto por outro nas redes sociais ainda pode tirar a própria vida por ler comentários homofóbicos. Um homem gay ainda pode ser assassinado na rua por andar de mãos dadas com seu namorado.
Volto aos palcos consciente das moscas que virão sobrevoar, mas certo de que ainda vamos debater muito sobre a violência na formação das crianças-viadas e que foi a luta de muitos e muitas que me trouxe a possibilidade de fazer política com arte.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor