Ela está por toda parte, da Lagoa de Messejana à praia que lhe homenageia. Percorre o nosso imaginário, as lendas e a nossa formação cultural. Iracema poderia ser só mais uma personagem de livro, mas tornou-se parte importante do que conheço sobre ser cearense.
Nascida das palavras de José de Alencar, em 1865, a guerreira Tabajara se tornou um ícone histórico do Ceará por retratar costumes e crenças de uma época que remonta à “gênese” da formação do povo brasileiro, a partir do encontro da indígena e de um colonizador português, o Martim.
Para quem não conhece, Iracema era uma mulher cheia de amor, força e coragem. Ao se apaixonar por Martim, decidiu enfrentar seu próprio povo em nome do que sentia. Não se tratava de renegar suas origens, mas de não medir esforços para viver o que desejava. Já Martim, que desembarcou em terras brasileiras para defendê-las de outros invasores, apesar da paixão, não abriu mão de seus deveres com a corte.
Ainda que com um fim trágico, é possível conhecer a garra dos Tabajaras, a luta para manter o território protegido, para manter seu povo e sua cultura a salvo e um Ceará que só resta nas memórias.
Iracema foi uma obra marcante para a literatura do País e se tornou um clássico. Ganhou o Brasil e o mundo, tornando-se o primeiro romance brasileiro a ser traduzido para a língua inglesa. Do século XIX para cá, passou por diferentes edições e adaptações. Agora, virou um audiolivro da Audible e eu… eu tive a honra de ser o narrador desse projeto.
Meu primeiro contato com essa obra foi na escola, quando li para fazer vestibular. Ao reler recentemente, encontrei outra Iracema, a vi com outros olhos, entendi melhor as diversas camadas da história e me conectei com o meu Ceará a cada página. Iracema, pra mim, cresceu de tamanho. Deve até ter a altura de sua estátua Guardiã. É ainda mais forte e mais potente, ainda mais cearense em 2024.
Tudo ganhou um novo sabor, tudo fez mais sentido: a força dos povos originários, a cultura, a crença, o respeito à natureza, a contribuição na construção linguística, nomeação de localidades, como Messejana, Parangaba, Maranguape etc. Ao emprestar minha voz por entre essas páginas, refleti, mais uma vez, sobre a violência colonizadora e sobre os verdadeiros donos dessas terras.
A partir do dia 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, ouvir Iracema vai ser possível e, diferente do jovem nervoso com o vestibular de anos atrás, posso dizer que, nesse processo, Iracema também me encontrou diferente. Hoje, mais maduro, experimento a fome (cada vez maior) de reconhecer a minha história e ancestralidade.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor