É 'Made in Nordeste', mas não muito

O audiovisual brasileiro está em constante construção. De longe se vê a grande placa com letras garrafais anunciando “ESTAMOS EM OBRA”. Se vê também os operários trabalhando na edificação de tudo o que dá sustento, solidez e beleza, mas há cômodos que precisam ser embargados.

Estamos em 2023 e, definitivamente, não há mais motivos que justifiquem o audiovisual seguir realizando novas produções no Nordeste, protagonizando o Sudeste. Será que falta ator nordestino? Será que falta atriz? Faltam profissionais competentes?

Que tipo de fetiche é esse em que se faz necessário produzir no Nordeste, falar do Nordeste, utilizar todos os estereótipos e características do Nordeste, DESDE QUE isso seja feito por sudestinos? Parece até que o que se tem a dizer ganha mais credibilidade na boca de alguém do Sudeste.

E lá se vem um erro de geografia, um “visse” misturado com “oxente”, num sotaque baiano puxado na manteiga da terra potiguar, servido num prato de baião com bolo de rolo pra qualquer painho numa rede balançar, sem qualquer compromisso com a história dessa região.

Não entendo.

Não entendo, porque não se trata de acabar com produções do Sudeste no Nordeste (definitivamente não é sobre isso e nem sobre apontar filme x ou série y), mas, sim, acabar de vez com essa usurpação que insiste em nos diminuir, nos reduzir a caricaturas e/ou enfraquecer o mercado nordestino.

Existe tanta gente competente e talentosa nessa região que o mais coerente a se fazer seria colocar o Nordeste, de fato, como protagonista. E de ponta a ponta, na frente e atrás das câmeras! Contratar profissionais, pagar bem, fazer economia local circular, gerar emprego e renda, colocar holofotes sobre os artistas nordestinos.

Precisamos estar equiparados, precisamos ter proporcionalidade e já provamos que é possível falar de Nordeste com produções verdadeiramente nordestinas, como Bacurau, Cangaço Novo e Mar do Sertão. Temos uma região tão imensa que há uma riqueza de possibilidades de narrativas por tamanha diversidade.

Pra que isso aconteça, os grandes nomes do audiovisual brasileiro precisam também se unir a essa desconstrução e entender a importância de dizer “não” a essa prática, se unir ao propósito de construir um novo mercado, um mercado de investimento e não de aproveitamento.

Há algumas paredes mofadas, rachadas e infiltradas. Há algumas madeiras no telhado condenadas pelo cupim. Há certas ideias que precisam de demolição. O Nordeste é maior que isso.

Quem vai ser o primeiro a levantar novas pilastras?

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor