Todos nós desejávamos que, ao ir de 2020, ano da maior crise mundial devido à pandemia, para 2021, fôssemos entrar em um momento de perspectiva de ascensão e superação de problemas.
O ano de 2020 não trouxe um cenário fácil. Já tínhamos um número elevado de desempregados, e o subemprego e a informalidade atingiam mais de 60% da população das favelas.
No começo, a área da saúde não tinha ainda muitas informações sobre a Covid-19, então nos restou nos organizarmos para uma verdadeira guerra de vida ou morte. Até porque, nessas mais de duas décadas de atuação nas favelas brasileiras, não tínhamos outra opção que não fosse lutar, sobreviver e fortalecer nossos pares num dos piores cenários da humanidade.
As medidas restritivas fizeram com que as mães, que já tinham sua situação dificultada pois representam mais de 45% das lideranças de lares nas favelas, se deparassem com o agravamento da situação: as escolas fecharam e elas tiveram que segurar a onda sozinhas, com crianças e, muitas vezes, idosos em casa.
O quadro nos mobilizou a criar o programa Mães das Favelas já que, mesmo que as favelas estejam sendo as mais sacrificadas pela pandemia, existem dentro delas estas mulheres que merecem nosso ato prioritário.
Através de nossas lideranças nas favelas, mapeamos e cadastramos essas mulheres e as apoiamos com gás, chip telefônico, material de higiene e limpeza, cartões de alimentação e muitos outros itens, além de transferência direta de renda.
Diante desse cenário complexo, iniciamos uma ampla campanha para que a favela fosse para o mapa das prioridades. Pautamos o debate político com propostas como renda básica, auxílios para pequenas e médias empresas, assim como uma campanha humanitária de apoio a estes territórios.
Realizamos um chamado para uma agenda pública de apoio urgente para o povo das favelas e observamos a sociedade formar um consenso humanitário, apartidário e plural que nos fez ser atendidos por grupos, lideranças empresariais e institutos privados como SOMOS UM, Ticiana Rolim, Instituto Península, Abílio, Ana e Geizy Diniz, Grupo VR, Instituto Galo da Manhã, Neca Setubal, Monica Silan Facc, Carola Matarazzo, Instituto Fundação Tite Setubal, Instituto Unibanco, PicPay, entre muitos outros parceiros do setor privado que nos ajudaram a atender mais de 5 milhões de pessoas.
Com esse apoio, foi possível articular mais de 5 mil favelas, mobilizar mais de 100 mil ativistas da rede da CUFA nas favelas de todos os estados do País e fortalecer institucionalmente a transformação das nossas sedes em centros de logísticas e distribuição, onde selecionamos, organizamos e distribuímos para quem mais precisava, com foco, eficiência e rapidez.
Dois mil e vinte e um vem carregado de novos desafios. As doações reduziram, o auxílio emergencial não chegou ainda e as variantes da Covid-19 avançam, deixando rastros de luto e tristeza, enquanto a fome se agrava. Segundo uma pesquisa do Data Favela, realizada em fevereiro deste ano, a média diária de refeições nas favelas é de 1,9.
Com o fim do auxílio emergencial, 67% irão precisar cortar despesas básicas e somente 8% conseguirão manter o padrão de consumo. E mais: 68% dos moradores de favela afirmam que, nos últimos 15 dias, em ao menos 1 dia, faltou dinheiro para comprar comida.
A situação nos convoca novamente para o front da responsabilidade coletiva, da ideia de povo, do conceito de nação, onde lutaremos incansavelmente para que nenhum homem e mulher passe fome.
É importante apresentarmos esses dados para criar a consciência da gravidade da situação para quem ainda não compreendeu. A favela pede socorro. Estamos aqui falando sobre vidas e sobre fome, e esses dados representam uma bomba relógio social prestes a explodir. Lembrem-se: 8 em cada 10 famílias não teriam condições de se alimentar, comprar produtos de higiene e limpeza ou pagar as contas mais básicas caso não tivessem recebido doações.
Não teremos como ajudar todo mundo, mas todo mundo pode ajudar alguém. A hora é agora!
Doe para as Mães da Favela através do site www.maesdafavela.com.br
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.