'Past Lives' mergulha na melancolia do incerto com delicadeza, mas falta em profundidade

Longa de Céline Song aborda a dor de um romance que não acontece e, apesar da beleza, deixa o espectador no meio de narrativa sem propósito

Falar sobre o incerto é sempre delicado. Em um roteiro de cinema, então, quando por muito pouco tudo pode falhar, tratar do que poderia ser, mas não é, entra no campo de extrema dificuldade quando o intuito é prender a expectativa de quem assiste. Assim ingressa Past Lives, com direção de Celine Song, nas telas de cinema e já na busca pela categoria de 'Melhor Filme' do Oscar. 

O filme, produzido pela A24, não é novo. Ganhou o streaming em 2023 e já estreou há dias em algumas salas de cinemas brasileiros, mas entra para a lista dos que merecem ser revisitados por aqui semanas antes da cerimônia do Oscar.

A obra é daquelas que impressionam pelo que é dito e não dito, pela fotografia bela e bem desenvolvida, pelas atuações singelas. Entretanto, falha em construir a relação com o espectador, que precisa encontrar motivos a todo momento para se emocionar e seguir apreciando o que há de positivo no longa. 

Veja o trailer do filme:

As faltas em Past Lives

Antes de tudo, Past Lives se propõe a ser uma história sobre ausências, sobre tudo que poderia ter sido, mas não foi. Ou ainda do que é, mas poderia não ter sido. De como histórias de amor também estão conectadas com as casualidades da vida, oportunidades e, acima de tudo, presenças.

Acontece que ao se propor em se aprofundar nessa falta, a história acaba sendo um emaranhado de acontecimentos sem importância, projetados nos protagonistas Hae Sung (Teo Yoo) e Nora Moon (Greta Lee). Ela, que deixou a Coréia ainda na infância, nutria uma paixão de criança pelo menino, que reencontra cerca de anos após chegar ao Canadá.

Os dois personagens se reencontram, mas mais uma vez são fadados à ausência quando não conseguem abandonar as próprias responsabilidades para se entregar ao amor. É nesse momento que Past Lives talvez perca certa temperatura. Como se afeiçoar a um casal que sequer foi casal um dia? Como acreditar se os sentimentos da infância poderiam ser mais se sequer chegaram a florescer? Mais uma vez, também há de haver o mínimo de faísca para supor nas incertezas.

Faltam diálogos, detalhes da relação. Enquanto isso, o filme se fecha em uma redoma na qual mergulha em um sentimento até existente, mas sem força real para ocorrer. Greta Lee, em contrapartida, parece represar todas as sensações desse casal. Ela, nesse contexto, faz com que o espectadores criem conexão com Nora e pensem até mesmo no que já sentiram diante de amores não-resolvidos.

Sutileza do filme

Mas se há algo importante a ressaltar, a direção e o roteiro sutil de Celine Song é bonito de ver. Por meio dele, podemos mergulhar nos sonhos de Nora Moon e ver, por meio dessa protagonista, os anseios da menina que deixou a Coréia, mas ainda guarda lá, no próprio país, os desejos imaginados ainda pequena. 

Song constrói a passagem de tempo dos personagens de forma perfeita, sem esquecer a delicadeza de demonstrar a transformação na história ao longo dos anos. Os personagens nos parecem interessantes e, a todo momento, queremos saber mais deles. Assim, ela também tem o mérito de desenvolver outra história de amor, talvez a vista como a menos interessante de início, mas, para mim, a que mais faz sentido de acompanhar de perto.

Não há saldo negativo por completo em Past Lives. A beleza e a ternura, dois dos sentimentos que carregam a história, se encarregam de criar o reconhecimento em quem assiste. Assim como o diálogo inicial mostrado no longa, nos questionamos sobre quem são estes personagens, mas nos resta, afinal de contas, a memória da possibilidade do que eles poderiam ter sido.