“Vozes da Melhor Idade” resgata artistas que seguem vivos na memória dos brasileiros

Festival reúne nomes como Wanderléa, Maria Alcina, Agnaldo Rayol dentre outros artistas, em apresentações virtuais onde eles contam e cantam suas histórias

A pandemia tem sido cruel em vários aspectos - medos e incertezas têm assolado vários setores do mundo e na arte não foi diferente. Milhares de artistas se viram preocupados diante da impossibilidade de trabalho. Sem suas apresentações, seja em espetáculos ou shows, vários cantores, por exemplo, não estão conseguindo se manter.

A internet tem se tornado uma alternativa para esses artistas lutarem pelo seu sustento. As “lives” começaram a ser os novos palcos, os “ingressos” se tornaram voluntários por meio de transferências bancárias. Mesmo assim, ainda uma grande parte de nossos astros, aqueles esquecidos pela grande mídia, nem sequer possuem estrutura para esse tipo de apresentação. A “luta pelo pão de cada dia” ficou mais ferrenha para muitos dos nossos cantores. E agora?

Felizmente, ainda existem grandes conhecedores da música brasileira e que sabem explorar o que existe de melhor nela. Um desses nomes é o produtor Thiago Marques Luiz, que lançou, por meio do Youtube, um projeto de sensibilidade e competência enormes, resgatando músicos que permanecem vivos e merecem ter de volta o olhar de um público que ama a história deste país.

“Festival Vozes da Melhor Idade” foi um dos trabalhos mais comoventes e bonitos que vi nesses quase dez meses de nova realidade. Com proposta semelhante ao antigo programa Ensaio da TV Cultura, idealizado por Fernando Faro, a iniciativa traz apresentações de vinte artistas, que contam, cantam e tocam suas histórias em gravações sofisticadas, mas sem roteiro prévio. 

No festival podemos encontrar nomes como os de Cida Moreira, Caçulinha, Markinhos Moura, Vera Lúcia, As Galvão, Raimundo José , Altemar Dutra Júnior, Anastácia, Célia e Celma, Edith Veiga, Claudya, Martinha, Jane Moraes, Lady Zu, dentre outras estrelas que nos fazem viajar no tempo e na eternidade.

Ouvir Wanderléa para ir além da imagem de “ternurinha” e cantar músicas como “Fim de Caso” da inesquecível Dolores Duran é surpreendente. Trazer a irreverência do Edy Star e da Maria Alcina é de alegrar o coração, assim como o samba do eterno menino Luiz Ayrão. Agnaldo Rayol mostra que os anos não passam e exclama “Dio, come ti amo”. São quase quarenta horas de material gravado repleto de versatilidade e vida. 

Thiago Marques, o produtor que desafia o tempo

O Brasil escolheu algumas celebridades para imortalizar, mas tem cantores de talentos enormes que estão esquecidos, e eu vi que não podia deixar o samba morrer”. Essa foi uma das frases que marcou uma entusiasmada conversa com o jornalista, produtor e pesquisador musical Thiago Marques Luiz por telefone. Cheio de sonhos futuros, ele contou que sua luta pela memória musical deste país não é de hoje. 

Nascido em São Paulo, Thiago desde muito cedo se tornou um resistente no cenário fonográfico brasileiro. Correndo contra o tempo, o produtor fez renascer estrelas que estavam com o brilho ofuscados pela modernidade e por trabalhos anteriores sem tanta qualidade.

Destes artistas posso mencionar dois: Cauby Peixoto e Ângela Maria. Ídolos das décadas de 1950 e 1960, os artistas pareciam andar no ostracismo depois de alguns álbuns falhos em direção e escolha de repertório. “Eu entendi que o tempo passa, mas mesmo assim eles são grandes artistas. Fui buscando entender o que seria mais adequado para as vozes, para as fragilidades, e para explorar os potenciais e lançamos CDs maravilhosos” contou o produtor que os acompanhou até o fim de suas vidas (ambos em plena atividade).

Além dos cantores já mencionados, o pesquisador trabalha com figuras como Eliana Pittman, Claudette Soares, Alaíde Costa, Doris Monteiro, dentre outros cristais lapidados pelo olhar atento e ouvido crítico do produtor. Aliás, esse leque enorme deve integrar a segunda edição do “Festival Vozes da Melhor Idade”.

A arte merece ser lembrada

O trabalho incansável de Thiago Marques Luiz mostra que é necessário ter memória para podermos seguir em frente. Não adianta criar tendências ou futuro, sem aprender com o passado e valorizar o que existe de precioso nele. Precisa ser compreendido que a “juventude que essa brisa canta”, não tem idade, e sim emoção.

Em tempos de pandemia, insistir na compra de CDs, depositar um ingresso voluntário de uma live ou, até mesmo, divulgar o trabalho de um artista, é de grande importância para a manutenção cultural deste país. O “Festival Vozes da Melhor Idade” está aí para isso: mostrar que existe um “Brasil que não conhece o Brasil”, e ainda assim, ele continua brilhando e esbanjando vida, poesia e história. Valorizemos o artista nacional de todas as épocas.