A pandemia tem sido cruel em tantos aspectos que não sei dimensionar. Ceifou vidas, marcou histórias, distanciou pessoas, modificou completamente a normalidade implementando uma angústia que ficará enraizada nos nossos olhares por muitos anos. Dentro de tantas dores, uma tem me chamado a atenção: a quantidade de artistas lutando pela sobrevivência e não encontrando saída.
As tantas lives com ingressos solidários eram uma alternativa para esses “operários da arte” se manterem economicamente. Muitas dessas apresentações me encheram os olhos d’água...
Dói imaginar que veteranos dos palcos estão passando o término de carreira desta forma, principalmente, aqueles que vivem distantes da grande mídia.
Assistir às tentativas de Lana Bittencourt fazer uma live aos quase 90 anos, e não ter sucesso devido a falta de recursos e infraestrutura é de entristecer. A sensacional atriz Suely Franco tendo que sair de casa pois não possuía dinheiro para pagar o condomínio é de maltratar o coração. Esses são apenas exemplos de tantos artistas que seguem desesperados neste período de recessão.
Vida longe dos palcos
No dia 4 de Maio de 2020, o Brasil perdeu um de seus principais compositores. Faleceu em decorrência da Covid-19 o grande Aldir Blanc. A morte veio após dias de luta da família por uma vaga de UTI para o letrista. Uma cota foi feita pelos amigos garantindo sua transferência do hospital público para o particular, já que o primeiro não tinha o leito no qual ele precisava.
“Como isso pode acontecer com um artista de seu gabarito?”, essa foi a questão de muitos. A verdade é que a arte sempre recebeu poucos olhares do poder público, vive marginalizada, mesmo em um país tão rico culturalmente falando. Poucos são os incentivos para o setor e, quando estes vêm, são vistos com escracho por uma ala poderosa mas pouco intelectualizada.
Sendo um dos primeiros artistas a morrer da terrível Covid-19 e passar por últimos dias tenebrosos, nada foi mais justo que batizar a lei de incentivo a cultura na pandemia de “Aldir Blanc”. Ela veio após muita luta da classe por esse recurso. Claro, que os valores ainda são pequenos e as dificuldades nesses tempos são muitas, mas isso acende uma luz e aprendizado para os próximos anos.
A majestosa Fernanda Montenegro, em homenagem a amiga Eva Wilma, citou uma frase necessária: para sairmos desse tempo sangrante, utilizaremos a arte e a cultura! A frase é uma reflexão essencial em um período absurdo no qual até a Lei Rouanet é criticada.
Teatro, música, dança e tantas outras manifestações artísticas devem ser vistas como impulsionadores da existência humana. Com isso, os incentivos à cultura jamais deveriam ser questionados! Por meio da Lei Aldir Blanc, projetos sensacionais foram lançados em 2020. Lives, entrevistas, documentários e peças aliviaram nossas angústias no meio do caos.
Mais recursos, por favor
Compreender que a cultura é de suma importância para a formação social de uma nação deveria ser uma das muitas prioridades. Quantos trabalhos incríveis podem ser realizados pelas leis de incentivo e a “Aldir Blanc” deve continuar após esse período difícil.
Um projeto já tramita na Câmara dos Deputados prevendo tornar a lei em política permanente. Claro que repensar as suas configurações e os editais devem ocorrer, mas essa é uma oportunidade que não pode ser perdida diante seus benefícios futuros.
É preciso olhar para aqueles que vivem da arte mas seguem escondidos do olhar deslumbrado de um certo público ligado mais a fama do que a interpretação. É fundamental que paremos de subestimar o conhecimento da nossa população e sejamos fornecedores de conteúdo de qualidade no campo artístico.
Incentivar a cultura é construir também um futuro de mais paz, educação, respeito e liberdade. O prosseguimento de leis como a Rouanet e a Aldir Blanc é pensar no Brasil pois sabemos que o show de todo artista tem que continuar.